Já imaginou passar de 2 a 4 semanas confinado em um local apertado, com pouco espaço para se movimentar, sendo obrigado a deitar sobre as próprias fezes e urina? Esse cenário é apenas uma parte do trajeto que cerca de 11 milhões de bois fazem, anualmente, ao serem exportados para a morte e consumo ao redor do mundo.
Para chamar a atenção para essa prática, a Mercy For Animals (MFA), uma das maiores ONGs que se dedica ao fim da exploração animal, lançou em julho um documentário que denuncia uma série maus tratos tanto no transporte quanto no abate de bovinos saídos vivos do Brasil.
Narrado em português pela ativista Luísa Mell, “Exportação Vergonha” expõe imagens inéditas e entrevistas exclusivas sobre o tema. O filme está disponível no YouTube, com legendas em inglês e português.
“O documentário partiu de investigações da Mercy for Animals e de outras organizações internacionais, a partir da vinda, ao Brasil, do maior navio de exportação de animais vivos do mundo, o Mawashi Express”, disse a diretora executiva da MFA no Brasil, Cristina Mendonça.
Em março deste ano, o Mawashi Express foi flagrado por investigadores da Mercy For Animals no Porto de Vila do Conde, no Pará. Com 49 anos de serviço, o navio possui mais de dez andares de altura e capacidade para transportar cerca de 30 mil bois. O documentário revela que, em geral, os animais são transportados em navios como o Mawashi, com muitos anos de uso e que não foram construídos originalmente para essa atividade.
A jornada dos animais começa com o transporte, muitas vezes sem água e sem comida, em caminhões. Eles saem de fazendas em cidades do interior e percorrem centenas de quilômetros, por estradas esburacadas, até os portos. No local, eles são embarcados em navios – com o uso de varas e de sistemas de choques – onde serão confinados até chegarem ao destino final.
O trajeto de barco não é mais cômodo. Milhares de animais viajam amontoados por semanas, com pouca ventilação, sem conseguir se movimentar, dividindo o espaço com fezes e urina até chegarem a países do Oriente Médio ou da África, onde serão abatidos com práticas proibidas no Brasil, como o corte de tendões das pernas, a perfuração dos olhos e a torção do rabo para imobilizar os bois. Não há o cumprimento de regras de bem-estar animal em toda a cadeia.
“Tem que haver uma lei que proíba a exportação de bois vivos”, relata o vice-presidente da Comissão de Defesa dos Direitos dos Animais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Pará, Carlos Bordalo, durante o documentário.
O Brasil é o maior exportador de animais vivos da América do Sul e o segundo maior exportador mundial por via marítima. Apenas do Porto de Vila do Conde, no Pará, saem cerca de 280 mil bois por ano em navios. Nos últimos anos, nove em cada dez bois exportados vivos pelo Brasil foram enviados para o Oriente Médio e o norte da África. Entre 2012 e 2021, os principais países importadores de animais vivos do Brasil foram Turquia (42,1%), Egito (13,8%), Venezuela (12,8%), Líbano (12,3%), Iraque (8,7%), Jordânia (7,1%) e Arábia Saudita (2,2%).
Petição
No intuito de banir a exportação de animais vivos pelo Brasil, a ONG lançou uma petição online, que já conta com mais de 550 mil apoios. O abaixo-assinado pede o engajamento dos parlamentares na proibição da atividade. A expectativa da instituição é dobrar o número de assinaturas e chegar a 1 milhão delas ainda em 2022. Com as assinaturas, Cristina espera “que a gente possa justamente mostrar ao Poder Legislativo que essa é uma atividade que o Brasil e a população brasileira não querem”.
Pesquisa recente, encomendada pela MFA à Ipsos, revela que o brasileiro não apoia esse tipo de prática. Entre os entrevistados, 59% afirmaram que não tinham conhecimento de que animais criados no Brasil eram exportados vivos para abate em outros países. Oito em cada dez brasileiros (84%) concordam que a exportação de animais vivos para abate deve ser proibida.
Tramitam hoje no Congresso Nacional três projetos de lei com o objetivo de banir essa atividade econômica. Países como Índia e Nova Zelândia já proibiram a prática.
Ponta do iceberg
A diretora executiva da MFA no Brasil diz que o problema documentado no filme é apenas um pedaço do que envolve a cadeia de produção de animais para consumo humano.
“Se a gente parar pra pensar como é o sistema de fazendas industriais para produção de porcos ou exploração de galinha é o horror. A situação dos animais é terrível e muito chocante”, diz Cristina, dando como exemplo a condição das galinhas que ficam, durante mais de um ano, presas dentro de gaiolas, impedidas de ciscar, abrir as asas ou pular para produzir ovos.
A Mercy For Animals se dedica ao fim da exploração animal em fazendas industriais e na indústria da pesca. Fundada há 21 anos nos Estados Unidos, a MFA está no Brasil desde 2015 e atua em outros países da América Latina, no Canadá e na Índia.
“A gente quer a construção de um sistema alimentar justo e sustentável, a base de vegetais, plantas, grãos, feijões e frutas, enfim, uma alimentação rica em vegetais, sem produtos de origem animal”, Cristina Mendonça, diretora executiva da MFA no Brasil.