Em fevereiro de 2025, na 156ª Sessão do Conselho Executivo da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil liderou uma iniciativa para atualizar o código internacional de comercialização de substitutos do leite materno. Em parceria com outros países, o Brasil propôs regras específicas para o marketing digital desses produtos, adaptando-se às novas tecnologias e plataformas digitais. O objetivo é proteger a saúde infantil e promover a amamentação, especialmente em países de baixa e média renda, onde as práticas de marketing digital têm sido mais agressivas.
Apesar do Brasil liderar o esforço global pela regulamentação do marketing de fórmulas e a busca pelo fortalecimento da rede de bancos de leite humano, os números internos são um desafio. Os dados de 2024 apontam que apenas 45,8% das crianças brasileiras menores de seis meses passam por amamentação exclusiva e que 35,5% seguem sendo amantadas até os 2 anos de idade. Por isso, o combate às práticas nocivas de marketing da indústria de fórmulas lácteas infantis é fundamental para garantir a saúde do bebê e da mãe.
O Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (Enani) em 2019 aponta que o marketing iniciado pela indústria de fórmulas coincidiu com o declínio da amamentação e a normalização do uso de fórmulas no Brasil. A enfermeira e consultora em política de saúde materno-infantil e desenvolvimento da primeira infância, Rhamilly Amud Karam, explica que a regulamentação do marketing digital de substitutos do leite materno é essencial para garantir que as mães tenham acesso a informações confiáveis e baseadas em evidências. “Muitas estratégias publicitárias são desenhadas para enfraquecer a confiança das mulheres na sua capacidade de amamentar, o que impacta diretamente as taxas de aleitamento. Nosso papel como especialistas em saúde materno-infantil é reforçar políticas públicas que protejam esse direito e garantam que a decisão das mães seja informada e não influenciada por interesses comerciais”, cita.
Mesmo não alcançando a meta do aleitamento materno da OMS, o Brasil segue reconhecido mundialmente por liderar a maior e mais avançada rede de bancos de leite humano, combinando inovação tecnológica, qualidade e baixo custo. Enfa. Rhamilly, que foi coordenadora de saúde da criança da Secretaria de Estado de Saúde (Susam) do estado do Amazonas, estado com o maior banco de leite materno da região norte do Brasil, em entrevista ao portal Tarde Nacional – Amazônia, explicou sobre o processo de expansão do banco de leite, sobre as estratégias usadas e sobre as dificuldades sentidas. “Uma única gota de leite doado faz diferença e pode salvar a vida de um recém-nascido prematuro”, Rhamilly frisou.
Além da regulamentação das estratégias de marketing das grandes empresas da indústria alimentícia e do fortalecimento dos bancos de leite que ganha força com uso de tecnologias de baixo custo e parcerias público-privadas, a inovação no setor de nutrição infantil também tem avançado. O crescimento da biotecnologia aplicada à alimentação infantil tem atraído investimentos e acelerado a pesquisa de novas soluções para atender mães que não podem amamentar. A startup Harmony Baby Nutrition, criada por brasileiros e sediada no Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, por exemplo, desenvolveu uma fórmula infantil que busca imitar componentes bioativos do leite materno. Esse movimento abre um debate sobre a importância do equilíbrio entre inovação e a manutenção da amamentação como a melhor opção para o desenvolvimento infantil. “Esses avanços são oportunidades para equilibrar a inovação com a promoção contínua do aleitamento materno como a primeira e melhor opção para a nutrição neonatal”, pontua Rhamilly.
O avanço do Brasil na regulamentação do marketing de fórmulas infantis e na consolidação de bancos de leite humano posiciona o país como um dos líderes globais em estratégias para a nutrição infantil. Segundo a enfermeira e consultora em amamentação, Rhamilly Karam, a regulamentação do marketing e o fortalecimento dos bancos de leite garantem o suporte necessário para mães que desejam ou precisam amamentar. “A prioridade deve ser o fortalecimento da amamentação. No entanto, é essencial que alternativas seguras estejam disponíveis para casos específicos em que o leite materno não possa ser oferecido”, afirma. Rhamilly explica que as mães que procuram sua consultoria de amamentação já estão convencidas da importância do aleitamento materno. “As mães que me procuram estão conscientes dos benefícios do leite materno e do contato pele a pele com o bebê. Elas estão dispostas a encontrar soluções para problemas como mastite, baixa produção de leite e fissuras no mamilo. Além disso, buscam meu auxílio profissional para resistir à pressão da indústria alimentícia, que, de certa forma, as coage a usar fórmulas para evitar que seus bebês passem fome”, relata.
Para Rhamilly Karam, reconhecida internacionalmente por coordenar o Projeto Primeira Infância Ribeirinha (PIR), desenvolvido pela Fundação Amazonas Sustentável (FAZ) em parceria com o Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS) e a Secretaria de Estado da Saúde (Susam), financiado pela Fundação Bernard Van Leer, finalista do prêmio nacional da Fundação Banco do Brasil (FBB) de Tecnologia Social de 2019, conforme conta o portal G1, “essa regulamentação pode representar desafios e ajustes estratégicos para as empresas. Mas, a combinação de ciência, inovação e regulação gera a expectativa de ampliação do impacto positivo na saúde neonatal e infantil, redução de índices de mortalidade e favorecimento de um ambiente de negócios mais transparente e sustentável no setor alimentício infantil”, expõe.
Por mais que os pais estejam expostos ao marketing agressivo da indústria alimentícia láctea, pesquisa mostra que eles querem mais saudabilidade no mercado infantil. Enfa. Rhamilly, que é mestre em enfermagem no contexto amazônico, já coordenou iniciativas voltadas ao incentivo do aleitamento e à ampliação da doação de leite humano, reforça tal urgência. “Precisamos garantir que mamães e bebês tenham suporte a políticas públicas e privadas que assegurem a proteção e o incentivo à amamentação, enquanto incentivamos um mercado internacional equilibrado e ético”, finaliza.