Por Diego Nomiyama – advogado
Em processos de recuperação judicial, quando havia aprovação do plano pelos credores, o entendimento jurisprudencial era de que cabia ao Poder Judiciário tão somente verificar os requisitos legais. A matéria de natureza econômica, isto é, o deságio, o valor dos juros remuneratórios e o índice de correção monetária, por exemplo, não era revista pelos juízes, pois tal conteúdo cabia à aprovação dos credores.
No entanto, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou favorável um recurso de um banco credor contra a aprovação de um plano de recuperação judicial que previa um deságio de 90% de seu crédito. Tal decisão, indiretamente, acabou por interferir em pontos de natureza econômica, a qual, via de regra, competiria tão somente aos credores.
A particularidade deste caso é a de que o banco credor representa quase 95% das obrigações da empresa em recuperação judicial e, por isso, na visão do STJ não seria razoável impor à instituição financeira a aceitação de um plano que reduzisse seu crédito em tal percentual. O Tribunal fundamentou a decisão no fato de que não se teria preenchido todos os requisitos necessários para aprovação dos credores, como o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos e o voto favorável de mais de um terço dos credores na classe que rejeitou.
A aprovação do plano havia sido mantida em primeiro e segundo grau, mediante a aplicação do instituto chamado de cram down, porque se entendeu que a negativa do banco era um voto abusivo. Este não foi o entendimento do STJ, o qual determinou a apresentação de um novo plano de recuperação judicial por também entender que a aplicação do cram down é uma medida excepcional, a qual não valeria para a presente situação.
O caso produz alguns pontos de discussão, um deles é sobre a abusividade ou não do direito de voto. Os fundamentos usados pela Corte Superior foram de que o cram down deve ser aplicado excepcionalmente e que não haveria aprovação dos representantes da metade do valor total dos créditos e mais de um terço dos credores da classe que reprovou. No entanto, o banco que recorreu representa 95% das dívidas, de modo que a sua negativa já impede a aprovação do plano de recuperação judicial.
Afinal, matematicamente, não há a possibilidade de se aprovar o plano de recuperação sem a aceitação da instituição financeira. Logo, se, no próximo plano de recuperação judicial, for proposto um deságio menor e mesmo assim o banco credor rejeitar, deve ser decretada a falência, mesmo diante da aprovação dos demais credores?
Além disso, embora os fundamentos usados pelo STJ estejam estreitamente ligados à interpretação da lei, ao desconsiderar o entendimento do segundo grau de que a conduta da instituição financeira era abusiva e entender que ela estava apenas buscando de forma legítima a satisfação do crédito, não acabou por analisar fatos, algo vedado pela Súmula 7?
É esperado que em processos de recuperação judicial os bancos sejam os maiores credores em relação ao valor de crédito, mas correspondam a um pequeno grupo em comparação ao total de credores. A recente decisão do STJ pode dar mais poder a tais instituições financeiras nas mesas de negociação envolvendo os planos de recuperação judicial, de modo que isso gere ainda mais entraves no momento da aprovação ou acabe facilitando a decretação da falência. Se este for o efeito, fatalmente acabará prejudicando os demais credores que desejam a continuidade da empresa em recuperação judicial e estão dispostos a sacrificar parte significativa do seu direito de crédito.
A recente decisão do STJ, então, acaba permitindo que sejam revistas as condições econômicas do plano de recuperação judicial pelo Poder Judiciário em casos em que um único credor detém a maioria dos créditos e rejeita a aprovação, mesmo os demais tendo aprovado.