Por Murilo Aires – advogado
O tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado para as microempresas e para as empresas de pequeno porte no Brasil decorre da própria Constituição Federal, que programou a edição de lei complementar com essas finalidades (art. 146, III, “d”, da Constituição Federal), determinando ainda a obrigação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Município de dispensá-las tratamento jurídico visando incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução dessas obrigações (art. 179 da Constituição Federal).
Tal preocupação vê fundamento no empreendedorismo como um dos pilares do desenvolvimento econômico, impulsionando a geração de empregos e a inovação. No Brasil, essa realidade toma fundamental relevância, observado que os pequenos negócios representam cerca de 85% das empresas brasileiras.
O Simples Nacional, instituído pela Lei Complementar n° 123/2006, representa um regime tributário simplificado para microempresas e empresas de pequeno porte que optaram por ele, representando uma das mais concretas políticas relativas ao tratamento diferenciado.
Por meio do Decreto n° 11.569/2023, o Governo Federal instituiu o Grupo de Trabalho de Revisão do Simples Nacional, ao qual competirá desenvolver modelo lógico e respectiva teoria de programa relativa ao regime; propor objetivos a serem reconhecidos e formalizados para a sua implantação; bem como elaborar indicadores, metas e linhas de base que permitam mensuração do alcance dos objetivos propostos.
Em que pese a intenção de simplificação e desoneração em busca do tratamento diferenciado e favorecido às microempresas e empresas de pequeno porte, a realidade do Simples Nacional revela a necessidade de vários ajustes que concretizem o incentivo aos pequenos negócios. Detalhado em hipóteses de cabimento, alíquotas e regras de cálculo para o recolhimento único, além da diversidade de situações em que são devidas obrigações acessórias, o Simples Nacional já não garante tamanha simplicidade, sequer gerando uma efetiva redução coerente da carga tributária.
Além disso, a desoneração de determinados tributos como ICMS e Pis/Cofins beneficiam as empresas pequenas de um lado, mas podem decorrer na impossibilidade daqueles que com elas negociam em uma cadeia produtiva possam, por exemplo, aproveitar créditos que teriam se estivessem fazendo negócio com outras empresas não optantes pelo regime simplificado. Tais aspectos, por exemplo, prejudicam o preço de produtos e serviços de empresas do Simples Nacional, fazendo com que elas percam possibilidades de mercado.
Por fim, a possibilidade de opção ao regime tributário de caráter simplificado recorrentemente leva tanto o Fisco como os Tribunais a excluir as empresas optantes do Simples Nacional de outros benefícios aplicáveis a outros regimes como o lucro presumido, praticamente punindo a microempresa e empresa de pequeno porte por utilizar do tratamento que lhe é constitucionalmente previsto.
Os pontos levantados são reveladores da complexidade financeira, econômica, jurídica, social e, sobretudo, política de se estabelecer concretamente o tratamento diferenciado e favorecido às microempresas e empresas de pequeno porte no país, demandando empenho, aprofundamento e cautela na pertinente iniciativa de revisão do Simples Nacional, posto que as boas intenções aparentes em abstrato (como simples exonerações fiscais e recolhimento unificado de vários tributos) podem não verificar incentivos concretos.
*Murilo Aires é advogado do escritório Dosso Toledo Advogados, com atuação na área de Direito Empresarial.