A explicação está no instinto de caça e sugere que comportamento seja uma forma de afeto e cuidado
Se o seu gato já apareceu com uma lagartixa, um rato ou uma barata e deixou o bicho em algum lugar dentro da casa, pode ser um sinal de afeto. Isso mesmo: apesar de desagradável para os tutores, o comportamento é natural e instintivo e pode ser a forma encontrada pelo felino para provar o carinho pelo seu humano.
De acordo com a médica-veterinária Paula Carneiro Vasconcelos, mestre em etologia e bem-estar animal, estudiosos sugerem duas hipóteses para explicar o hábito.
“Gatos gostam de brincar com as presas, como pequenos insetos, roedores e pássaros. Eles levam aos tutores como se fosse um mimo ou presente porque, se gostam de brincar com as presas, concluem que eles também vão gostar”, explica a especialista.
É comum que, neste tipo de situação, o felino chegue miando e coloque o bicho apreendido na frente do seu tutor, esteja ele sentado no sofá, deitado na cama ou à mesa, comendo.
A outra explicação para o comportamento tem origem na infância, quando os gatos estão aprendendo a caçar. Ao entrar na fase de desmame, a mãe costuma deixar o ninho para caçar e trazer a presa para que os filhotes comam alimentos sólidos. Esta conduta é aprendida pelos filhos e, posteriormente, transposta para seus tutores.
“Outros estudiosos defendem que os gatos tendem a repassar o seu instinto de caça. Eles têm que alimentar os seus filhotes ou aqueles animais mais fracos. Então levariam a presa para casa para ajudar àqueles que eles acreditam que não sabem a caçar”, diz Paula.
No entanto, há vezes em que não se trata de um presente. Juliana Damasceno, doutora em psicobiologia e especialista em comportamento felino, explica: “O gato pode trazer a presa para dentro de casa e colocá-la debaixo de uma mesa ou em algum lugar que acha seguro. Ele pode querer, inclusive, proteger a sua presa e não querer que o seu tutor tenha acesso a ela”.
De uma forma ou de outra, a resposta está no instinto. É comum que estes animais apresentem mais hábitos selvagens do que cães, por exemplo. Isso porque eles foram domesticados há menos tempo e tendem a conservar estes costumes enraizados, enquanto cachorros já se desprenderam de alguns comportamentos devido ao tempo maior de domesticação e convivência com os seres humanos.
“Os gatos só foram domesticados há 10 mil anos. Cronologicamente, isso é muito pouco tempo para a adaptação de uma espécie”, diz Paula.
Comportamento perigoso
A explicação por trás dos “presentes de gato” pode ser até fofa para alguns leitores, mas é preciso ter cuidado. Isso porque todas as presas apresentam um perigo de intoxicação e exposição a doenças.
“Nós não devemos repreender este comportamento, já que é algo natural dos gatos. Mas há riscos: eles podem contrair doenças a partir dessas presas, sejam insetos, répteis ou aves. O ideal é a gente evitar que os felinos tenham acesso às presas e procurar não atraí-las. Muitas pessoas têm casa com quintal e colocam comida para que os passarinhos apareçam, por exemplo. É algo que devemos evitar, assim como ter plantas frutíferas, o que pode aumentar a tendência de predação”, orienta Juliana.
Além disso, ao notar que o gato apareceu com uma presa, o tutor deve retirá-la assim que possível mediante o uso de sacolas e luvas, sempre com cuidado para não se contaminar.
“Observe se o gato teve algum sintoma de intoxicação ou mudança de comportamento, para analisar se ele não não ficou doente. Mantenha sempre as vacinas em dia e evite que ele fique no quintal sem supervisão”, acrescenta Dra. Paula.
Caso o bicho manifeste algum sintoma, leve-o imediatamente ao médico-veterinário de confiança para entender como proceder.
Dieta e enriquecimento ambiental como prevenção
Pesquisadores da Universidade de Exeter, na Inglaterra, mostraram que uma dieta rica em carne e maior tempo de brincadeiras podem evitar a necessidade de caça por parte dos gatos e colocar a biodiversidade em risco. Há estudos que indicam que os animais já contribuíram para a extinção de 63 espécies em todo o mundo.
Na pesquisa inglesa, 219 tutores se comprometeram a mudar os hábitos dos felinos, que foram acompanhados durante três meses. Os gatos foram divididos em seis grupos, incluindo o de controle, em que os hábitos não foram mudados.
Dois destes grupos envolviam uma mudança nas coleiras, com o primeiro utilizando o acessório com sinos e o segundo adotando modelos chamativos. Por serem grandes e coloridos, poderiam ser percebidos pelos pássaros.
Já outros dois grupos tiveram mudanças alimentares: para o primeiro, os tutores ofereciam a ração em comedouros com desafios (aqueles que liberam a comida a partir da brincadeira). O segundo grupo apenas trocou a ração por uma dieta mais rica em carne.
No último grupo, os tutores deveriam aumentar o tempo de brincadeira, dedicando a elas ao dez minutos do dia. Os animais eram instruídos a seguir penas e barbantes que simulavam a caça. Ao final, recebiam um rato de brinquedo como se fosse a presa.
De acordo com os resultados coletados, publicados na revista Current Biology, a coleira chamativa (que alertava os pássaros sobre a presença dos felinos) fez com que os gatos trouxessem 42% menos presas para dentro de casa. Efeitos significativos também foram vistos na mudança de dieta e no aumento das brincadeiras, que fizeram com que os animais do grupo reduzissem a caça em 36% e 25%, respectivamente.
Enquanto isso, as coleiras com sino não causaram mudanças no comportamento. Já os comedores alternativos tiveram um efeito contrário, aumentando a predação em 33%. Os pesquisadores sugeriram que eles deixavam os gatos frustrados e com fome, o que os levaria a optar pela caça.
Sugeriram ainda que as brincadeiras saciaram o instinto de caça e que a comida preencheu uma lacuna nutricional dos gatos. Após os testes, três quartos dos tutores disseram que continuariam brincando com os animais diariamente, mas apenas um terço concordou em seguir oferecendo a ração rica em carne, já que o custo era maior.
Paula concorda: “Para evitar que eles tenham o interesse em caçar essas presas, o ideal seria oferecer uma dieta balanceada e um ambiente bem estimulado, com muitas brincadeiras. Hoje em dia há muitos brinquedos que podem simular a caça, como aqueles ratinhos. Se puder ter outro gato para fazer companhia e estimular a brincadeira, pode ser que a vontade de caçar e trazer presas para o tutor diminua”.
No entanto, há certo ceticismo quanto ao estudo. Alguns cientistas dizem que os animais podem ter mantido a caça nas mesmas proporções e que apenas pararam de levar os cadáveres para casa.
Invariavelmente, porém, é benéfico manter os animais em casa. “É importante ressaltar que os gatos não devem ter acesso à rua e que os tutores mantenham os animais na segurança do seu lar para evitar o alcance às presas e a contaminação de doenças a partir delas”, completa Juliana.
Fonte: vidadebicho