O monge procurou o padre Ernani Maia dos Reis, líder do Mosteiro Santíssima Trindade, na cidade mineira de Monte Sião, para confessar um conflito interior entre sua vocação religiosa e o desejo de constituir família.
“Mas você é gay, casar para enganar uma moça, mentir pra ela uma vida inteira? Porque você é gay”, disse Ernani, de acordo com o relato do monge, que pediu para não ser identificado.
Cenas como a descrita acima, ocorrida no ano de 2016, eram comuns, afirma o monge. Relatos colhidos pela reportagem com integrantes do mosteiro dão conta de que Ernani, padre da Igreja Católica desde 2009, violentou e assediou sexualmente pelo menos oito monges.
Ainda de acordo com os entrevistados, ele assediou moralmente outras 11 pessoas que viviam sob sua autoridade, por meio de humilhações e agressões verbais.
Os crimes sexuais foram cometidos, de acordo com os relatos, pelo menos de 2011 até 2018, quando ele se afastou do mosteiro.
As oito vítimas eram homens, com idades entre 20 a 43 anos quando o assédio sexual começou. Já das 11 pessoas que sofreram constrangimentos e agressões verbais, dez eram mulheres.
Em uma dinâmica de abuso de poder, o padre Ernani usava seu lugar de líder espiritual para conquistar a confiança dos integrantes do mosteiro, se colocava como “um pai” com a intenção de envolvê-los pelo lado afetivo e oferecia “sessões de psicanálise” em que as próprias vítimas eram os pacientes.
Relatos dos crimes sexuais atribuídos a Ernani chegaram ao conhecimento da Igreja Católica por meio de investigações internas, mas o padre só foi afastado depois que ele mesmo pediu para sair do mosteiro, em agosto de 2018, alegando “cansaço” e “crise vocacional”.
Não consta que ele tenha recebido qualquer punição da Igreja Católica, que o enviou para uma casa de acolhimento para sacerdotes, por seis meses, com recursos do próprio mosteiro.
Desde novembro de 2020, o UOL entrevistou um total de 40 pessoas para produzir esta reportagem e o documentário “Nosso Pai”, lançado hoje.
As vítimas de assédio e violência sexual serão identificadas por numerais ao longo desta reportagem.
Padre nega as acusações
Ernani Maia dos Reis negou as acusações em duas oportunidades, mas se recusou a responder às perguntas específicas dos repórteres. Aos 53 anos de idade, ele vive em Franca (SP), onde mantém um consultório de psicanálise.
Das oito vítimas de violência sexual ouvidas pela reportagem, duas relataram os ataques atribuídos a Ernani durante a investigação da Igreja Católica. Todas as oito afirmaram que não receberam qualquer ajuda psicológica ou financeira da instituição.
Por sua vez, a Igreja Católica disse, em resposta enviada por email, que “nunca negou qualquer fato (dele) ou ato atribuído quando do exercício na liderança daquela comunidade” e que não se omitiu em relação ao caso.
“Foram constituídas auditorias, comissões de apuração em várias esferas de acompanhamento, sendo as respectivas comunicações, diretas aos representantes legais superiores (Nunciatura e Santa Sé).
Nunca houve qualquer omissão nesse sentido”, lê-se na resposta enviada.
A igreja não respondeu sobre as conclusões das investigações internas, nem esclareceu que atitudes foram tomadas em relação aos relatos de crimes sexuais cometidos pelo padre Ernani. Também não respondeu qual o atual estágio do processo de saída de Ernani da Igreja Católica, que foi encaminhado ao Vaticano.
O caminho de Emaús
Em 1994, antes de se tornar padre, Ernani fundou, na cidade de Passos (MG), a 350 km de Belo Horizonte, uma comunidade de leigos denominada “Monges da Trindade”, no território da diocese de Guaxupé.
No começo eram sete integrantes, entre homens e mulheres. O grupo de jovens era conhecido na cidade, visitava as residências para rezar o terço e participar de outras atividades religiosas. A postura de Ernani, líder do grupo, causava desconforto na igreja local, principalmente pelo poder que exercia sobre os membros.
A postura de Ernani, líder do grupo, causava desconforto na igreja local, principalmente pelo poder que exercia sobre os membros. Ernani criou uma formação espiritual chamada “Caminho de Emaús”, com duração de nove meses. O caminho de Emaús, na Bíblia, remete ao significado de que Deus se faz presente em qualquer lugar e em simples gestos.
O grupo de Ernani atraía cada vez mais participantes em cidades como Monte Sião.
Já era o ano de 2006 quando o bispo de Guaxupé e vice-presidente da Comissão Pastoral da Terra, dom Mauro Pereira Bastos, desconfiou da atuação de Ernani e resolveu dissolver a comunidade.
Em setembro, dom Mauro sofreu um acidente de carro na rodovia Fernão Dias (BR-381), envolvendo sete veículos, e morreu aos 51 anos. Ao todo, quatro pessoas foram carbonizadas.
Ernani se dizia perseguido por dom Mauro e outros padres de Passos, afirmam ex-monges.
O grupo Monges da Trindade se mudou para Monte Sião, no sul de Minas Gerais, a 290 km de Passos, sem pedir autorização à Diocese de Guaxupé.
“Saímos fugidos de Passos”, diz José Renato Vilela, o único dos monges que sofreram assédio sexual a permitir ser identificado para esta reportagem.
Monte Sião tem 24 mil habitantes e é conhecida como a capital nacional do tricô. Também atrai o turismo religioso pela importância da Igreja Nossa Senhora da Medalha Milagrosa, erguida em 1849.
A paróquia de Monte Sião faz parte da arquidiocese de Pouso Alegre e estava, naquele ano de 2006, sob o comando do arcebispo dom Ricardo Pedro Chaves Pinto Filho.
Dom Ricardo acolheu a comunidade e ajudou a organizar a papelada para que fosse oficialmente reconhecida. Ernani estabeleceu o uso do hábito e o estilo monástico, com clausura.
Ao mesmo tempo em que atraía mais membros, a comunidade se tornava mais fechada em si mesma. Os irmãos e as irmãs viviam em “celas” compartilhadas, que eram quartos com duas camas. Aos poucos, foram parando de sair das dependências do mosteiro.
Chegaram a contar com 52 membros. Os membros foram abrigados, no ano de 2009, por uma paróquia local com o nome de comunidade de leigos “Monges da Trindade”.
No final desse mesmo ano, Ernani foi ordenado padre pelo arcebispo e a comunidade, então, foi aceita como o “Mosteiro da Santíssima Trindade”.
A população passou a visitar a obra. Centenas de pessoas passavam pelo mosteiro nos finais de semana, em busca de atendimento espiritual por meio de conversas com os monges.
Aos domingos, a missa recebia cerca de 200 fiéis. Havia produção de alimentos e de roupas. Na Páscoa, a venda de chocolates gerava um faturamento na casa de dezenas de milhares de reais, afirmam os monges ouvidos pela reportagem.
“Nosso Pai”
Há registros de que Ernani cursou letras, filosofia e teologia. Ele se formou na Escola Paulista de Psicanálise (EPP), no ano de 2015. Pianista, toca música clássica com destreza e tem livros publicados na área da espiritualidade.
As pessoas ouvidas pela reportagem o descrevem como “muito carismático, inteligentíssimo e com um grande poder de persuasão”. Também foi definido como “manipulador”, “sedutor”, “diabólico”, “perigoso” e “ardiloso”.
No mosteiro, Ernani era o prior, que significa chefe. Intitulou-se “abade”, cargo máximo na hierarquia da instituição religiosa.
Do alto de seu poder, centralizava tudo: a formação espiritual, a gestão dos irmãos e das irmãs, a administração da instituição e as finanças. Tinha o controle de todos os âmbitos da comunidade e levava o dia a dia com rigidez.
“Ele mandava na nossa alegria e na nossa tristeza. A gente tinha a hora em que a gente podia rir”, diz José Renato.
Ernani gostava de ser chamado de “nosso pai” e, no início, tinha uma postura paternal. “Ele dizia: eu sou seu pai. Você precisa ter uma boa relação comigo, senão, não vai ter uma boa relação com Deus”, explica a vítima 8, uma das que sofreram violência e assédio sexual.
A entrada da psicanálise
A confiança criada pelo papel de abade e a postura paternal e afetiva faziam com que os monges compartilhassem suas angústias mais íntimas e seus traumas mais profundos com Ernani.
Ele passou a aplicar teorias psicanalíticas nos próprios monges e monjas. Também começou a fazer sessões de análise com os irmãos. “O Ernani usou a psicanálise para seduzir muitos meninos lá dentro e para ter o que ele queria: relação sexual”, afirma a vítima 8, que chegou a ter um relacionamento amoroso com o líder religioso por cerca de um ano.
Segundo as vítimas, o que parecia ser uma ajuda, na verdade era uma forma de o padre obter mais informações sobre cada um e manipular a comunidade a seu favor.
Com informação privilegiada, Ernani montava suas teorias. “Ele falou sobre umas coisas, que estava meditando sobre afetividade e a questão da transferência paterna e disse: ‘Vem cá, a gente tem que ser curado na experiência. Deita aqui, nós vamos ficar abraçados'”, diz José Renato.
Para os frequentadores do mosteiro, ele era um religioso prestativo e atencioso. Dentro da comunidade, ele mudava completamente, afirmam mais de um dos entrevistados.
“Um dia ele me chamou para tomar uma cerveja na casa dele, pediu para passar creme [nas pernas]. Ele dizia: ‘Eu sou seu pai. Você precisa ter uma boa relação comigo, senão não vai ter uma boa relação com Deus'”, diz a vítima 2.
Obrigação de ser homossexual
O assunto das sessões de análise era restrito aos problemas de relacionamento com mãe e pai e a questões sobre sexualidade, relatam os oito monges que afirmam ter sofrido ataques sexuais. Ernani dirigia a análise até o ponto em que os monges se reconhecessem homossexuais.
“Você contava os problemas para ele. Ele te envolvia. Ele te compreendia, era como se ele te pegasse no colo. Até chegar a um ponto que você via que estava totalmente nas mãos dele”, relata a vítima 4, que sofreu assédio sexual em diversas ocasiões.
“Em uma das sessões, eu contei para ele que na minha infância eu tinha sofrido abuso sexual. Depois, ele usou isso contra mim. Perguntou se eu senti prazer ao ser abusado. Ele usava disso para insinuar que eu era homossexual.”
Nas entrevistas ao UOL, as vítimas relataram que “tentaram ser gays”. Os que não conseguiam vivenciar o desejo por outros homens se sentiam culpados diante de Deus, fracassados.
“Houve um período lá dentro em que eu tentei ser gay. Pensei: eu vou ser gay, vamos ver. Quando chegar um cara aí, eu vou reparar para ver se ele é gostoso ou não. Só que aquilo me gerava muito conflito. Porque eu não era, eu não sou”, afirma a vítima 4.
Quando um monge tinha dificuldade de lidar com a própria sexualidade — e Ernani sabia —, a situação era ainda mais delicada.
“Como foi um tabu a questão da minha sexualidade e eu coloquei tudo ali para ele nessa conversa, eu vi uma acolhida muito grande e isso mexeu comigo. E foi onde eu comecei a me aproximar dele. Eu me abri total mesmo”, conta a vítima 1, que afirma ter sofrido violência sexual cometida pelo padre.
Ele conta que tinha ciência de sua homossexualidade, mas a reprimia desde criança. A vítima 1 afirmou à reportagem que foi violentada sexualmente, durante uma viagem a Campinas, no ano de 2011. O relato que se segue foi ouvido também por monges e monjas entrevistados pelo UOL, que confirmam a essência do que foi dito pela vítima 1.
Na chegada à cidade, Ernani levou a vítima 1 ao cinema, almoçaram em um restaurante de comida abundante, onde ingeriram bebida alcoólica. À noite, Ernani sugeriu que eles fossem para um motel. “Ernani tomou banho primeiro. E me pediu para fazer o mesmo. Quando saí do banheiro, ele estava deitado na cama. Só de cueca. Deitei e ele começou a passar a mão no meu corpo. Perguntou se eu queria realizar as minhas fantasias sexuais com ele”, diz a vítima 1.
“Ele me abraçou e começou a tocar o meu corpo. No final, transou comigo. Foi uma coisa abusiva. Foi ruim, não foi uma coisa como se eu quisesse. Foi uma situação horrível para mim.” A vítima 1 afirma que depois disso não conseguia mais viver no mosteiro.
“Hoje eu vejo um total abuso emocional e abuso sexual porque [naquele momento] eu não estava em mim. Ele se aproveitou das coisas que eu tinha contado.” Quando chegou ao limite, esse jovem quis ir embora. Ao anunciar a saída, Ernani proibiu os outros irmãos e irmãs de se despedirem dele. A saída desse jovem monge, em 2018, fez com que outros casos de abuso começassem a ser revelados, relatam os entrevistados.
Visitas à casinha: emboscada 1
Os monges despertavam cedo, antes do nascer do sol, para orar e faziam as obrigações diárias na cozinha, na padaria do mosteiro, no galinheiro, na horta e na limpeza, além de estudar e atender a comunidade nos finais de semana.
Com o passar dos meses, Ernani foi morar em uma casa separada, dentro do terreno do mosteiro, com ar-condicionado, ducha particular, TV e internet. Dizia sofrer de insônia.
Os entrevistados relatam que tinham receio de tocar o sino e acordá-lo antes da hora que ele quisesse.
Passou a exigir alimentação diferenciada, afirmava que tinha problemas de saúde. Fazia os monges irem à cidade — afastada do mosteiro, que ficava na zona rural —, sem o hábito (roupa imposta pelo padre Ernani aos monges e monjas) para buscar alimentos como um sushi, algo totalmente fora da rotina do mosteiro.
O ataque sexual na “casinha” — como a casa de Ernani era chamada — seguia um padrão de abordagem, de acordo com os relatos colhidos pela reportagem: um convite para ver um filme, assistir a um programa de TV ou tomar um banho quente, regalias que não existiam na vida monástica.
Os encontros, na maioria das vezes, envolviam bebida alcoólica como vinho, uísque, cerveja ou cachaça. As oito vítimas masculinas de ataques sexuais afirmam que ele se apresentava em roupas íntimas, ao começar o assédio na “casinha”.
“Ernani me chamava para ir na casa dele. Pedia para eu deitar na cama e fazer carinho. Ele me recebia de short ou de cueca samba-canção. Até que um dia pediu para massagear a parte íntima dele. Pediu para eu o masturbar”, relata a vítima 2.
Situações semelhantes ocorreram outras vezes, disse. “Ele tentou pegar nas minhas partes, mas eu não deixava.”
Em outra situação, o padre chamou um dos irmãos, a vítima 4, para tomar um banho quente e pediu para ele deixar a porta aberta. Dizia que era para fazer a barba.
“Eu deixei a porta aberta e fechei a porta do box. E ele: ‘Pra que fechar a porta do box? Você tem vergonha de mim, que sou seu pai? Nossa, cadê a confiança?’.”
Na sequência, oferecia um vinho ou outra bebida. “Ele vinha querendo abraçar, passava a mão, essas coisas. Ele não dava a entender direito ‘vamos transar’. Era um passo a passo em que você vai se soltando. Relaxando. Ele vai te dar uma bebida aqui. Uma bebida ali. Até chegar num ponto que você vai ceder”, relata.
A vítima 5 relatou que sofreu assédio sexual por parte do padre Ernani.
“Fui chamado na casa do Ernani. Ele estava só de shorts de dormir, sem camiseta e me convidou para tomar uma cervejinha. Sentou no sofá e jogou as pernas em cima das minhas e pediu para fazer carinho. Fiz e fiquei super sem graça”, disse. Mas não cedeu.
Na semana seguinte, a vítima 5 contou que foi chamada para uma viagem de compras em Campinas, em situação semelhante à descrita pela vítima 1. De novo o padre tentou seduzi-lo. Era outro tipo de emboscada sexual.
Viagens: emboscada 2
Vítimas e fontes ligadas à igreja descreveram dois tipos de armadilhas preparadas pelo padre Ernani para assediar sexualmente os “monges escolhidos”: os convites para encontros na casa do padre Ernani, que ficava dentro do mosteiro, e as viagens para longe de Monte Sião.
O objetivo oficial das viagens seria abastecer o mosteiro, como afirmou acima a vítima 1. Ernani viajava acompanhado de um monge.
As irmãs nunca foram convidadas. Três dos outros monges, que alegam que sofreram ataques sexuais, relatam procedimentos semelhantes durante essas viagens: compras em shopping, refeições fartas em restaurantes e uso de bebida alcoólica.
Nas ocasiões em que viajaram com o padre, Ernani usou a desculpa de que o hotel estaria lotado e por isso seria necessário procurar um motel para passar a noite.
Os relatos coincidem em relação à abordagem: no quarto, Ernani sugeria ao irmão que mudasse os canais de TV até que surgiam os filmes pornôs. Gostava de observar a reação do convidado, segundo relatos.
De banho tomado e cueca, oferecia vinho. Abria a garrafa, tomava um pouco e se assegurava de que o acompanhante tomasse o restante. Na sequência, começavam as investidas, que nem sempre chegavam ao objetivo final, por resistência da vítima.
Esse tipo de situação foi relatado à reportagem pelos oito monges que afirmam ser vítimas de violência e assédio sexual.
Ernani ficava aborrecido quando uma investida dele não obtinha o resultado desejado, conta a vítima 4, que passou por essa situação mais de uma vez.
“Em determinado momento, ele estava dormindo e punha a mão. Abraçava, ficava passando a mão. Alisava. Isso, comigo, ele tentou duas vezes. Lembro que na última vez que fui, eu dormi. E no outro dia ele estava bravo. Eu falei, o que aconteceu? Ele ficou bravo porque eu tinha dormido. Aí, ele usou da psicanálise para induzir que eu dormi porque eu estava reprimindo um desejo sexual para com ele”, diz a vítima 5.
Relacionamentos com monges
O padre Ernani, segundo diversas entrevistas, também manteve relacionamentos longos enquanto comandava a comunidade, que depois se tornou mosteiro.
Ele elegia seus alvos, oferecia “privilégios” como parte da conquista e fazia daquela pessoa o seu escolhido. O problema é que, para manter esses relacionamentos, ele usava das fraquezas de cada um e constrangia o monge publicamente quando sentia que estava perdendo o namorado, afirmam as vítimas.
“Ele dizia que conseguia identificar que tive uma ausência paterna na vida e por isso desejei ter relação sexual com meu pai, para ficar no lugar da minha mãe. Era o que ele chamava de ‘Édipo invertido'”, diz a vítima 7, que teve um caso de cerca de três anos com Ernani, entre 2011 e 2014.
A vítima 7 conta que foi difícil terminar o relacionamento. “Eu já cheguei a apanhar dele na cara.” Havia medo, constrangimentos e ameaças. Durante uma viagem com muitas brigas, o ex-monge afirma ter comunicado a Ernani que não queria mais se relacionar com ele.
“Eu tinha que ter relações com ele. Eu não queria. Ele dizia que eu era covarde.” Ernani estava seguro de que a informação jamais vazaria. “Eu tinha muito medo de contar isso aos outros.” A vítima disse que não suportava mais e conta uma discussão em tons dramáticos ocorrida em um carro.
“Falei: ‘Você não vai fazer mais nada disso’. Eu estava dirigindo em uma grande avenida, em alta velocidade. Falei que, se não parasse, provocaria um acidente. ‘Vou matar eu e você. E eu estou a ponto de provocar um acidente pra gente morrer agora’. Ele percebeu que eu estava falando sério e ficou quieto o trajeto todo.”
A vítima 7 afirma que, depois dessa conversa, começou a ser perseguida por Ernani até que sua permanência no mosteiro se tornou inviável.
Ernani deixa o mosteiro em 2018 Em meados de 2018, dom José Luiz Majella Delgado assumiu a arquidiocese de Pouso Alegre (MG), depois da morte de dom Ricardo, ocorrida em abril daquele ano.
A saída cada vez mais frequente de monges do mosteiro indicava que a crise provocada pelo comportamento de Ernani estava prestes a irromper.
A vítima 1, que já tinha deixado a comunidade, conseguiu burlar o controle de Ernani pela primeira vez e revelou ter sido vítima de abuso sexual praticado pelo padre.
“Ele contou que foi embriagado e que o Ernani tirou a virgindade dele. Isso gerou uma grande revolta. E aí a gente começou a ouvir um irmão reclamar daqui, o outro dali”, afirma a vítima 4.
As evidências e as histórias de abuso sexual fizeram com que as vítimas se mobilizassem em 2018 e se reunissem com o conselho do Mosteiro da Santíssima Trindade para expor o comportamento do “nosso pai”.
Naquela altura, Ernani visitava Caldas Novas (GO). A viagem foi presente da comunidade por ocasião do Dia dos Pais, data mais importante para eles. Seu afastamento foi indicado. Uma investigação interna pela Igreja Católica começou.
A reportagem apurou que relatos de ataques sexuais e atos de humilhações cometidos por Ernani chegaram, em um momento posterior, ao conhecimento dos integrantes da Igreja Católica. O padre negou e passou a acusar a comunidade.
Segundo os relatos, Ernani escreveu uma carta ao arcebispo de Pouso Alegre alegando “cansaço e desmotivação”. Nesse momento, ele teria pedido a dom Majella o seu afastamento. Ele foi levado a uma clínica ligada à Igreja Católica, na região metropolitana de Curitiba.
Meses depois, já em 2019, o padre Ernani Maia dos Reis se mudou para Franca (SP), onde mantém um consultório de psicanálise.
Ernani nunca mais voltou ao Mosteiro da Santíssima Trindade.