Por Ricardo Dosso – advogado
Desde que a Lei nº 11.101/05 entrou em vigor, instituindo no Brasil a recuperação judicial em lugar da antiga concordata como instrumento para superação da crise empresarial, passou-se a discutir a situação do produtor rural. Embora o agronegócio brasileiro seja altamente competitivo e esteja organizado de modo empresarial, a grande maioria dos agricultores e pecuaristas não aderem ao regime empresarial, que se dá com o registro de seus atos constitutivos na Junta Comercial.
Como atividade organizada e com fins lucrativos, a atividade agropecuária é em sua essência empresarial, e não tardou para que os produtores buscassem na recuperação judicial um meio mais eficaz de enfrentamento das crises financeiras que ocasionalmente assolam o setor.
Em meio a muitas discussões e resistência do setor bancário, de grandes cooperativas e de tradings, a Justiça brasileira passou a aceitar os pedidos de recuperação judicial de produtores rurais. Exigia apenas que eles comprovassem o registro no órgão de comércio antes do pedido, mas sem exigência de prazo mínimo de dois anos, como prevê a lei para empresas e empresários não rurais. Bastava ao produtor que comprovasse exercer a atividade por período igual ou superior a esse, por meio de notas fiscais, inscrição de produtor rural e outros meios.
Nosso escritório foi pioneiro no deferimento e na aprovação de uma recuperação judicial de um casal de produtores rurais do interior de São Paulo. O procedimento permitiu uma negociação sustentável com os credores, com revisão e reescalonamento das dívidas de modo compatível com a capacidade de pagamento deles. A situação possibilitou também a superação da crise sem que eles tenham perdido fazendas e outros imóveis que vinham sendo penhorados pelos credores.
A busca pela recuperação judicial oferece inegáveis vantagens aos empresários rurais que enfrentam dificuldades financeiras. Algumas delas incluem:
Continuidade das atividades: A recuperação judicial permite que o produtor rural continue operando suas atividades enquanto desenvolve um plano de pagamento das dívidas, garantindo a continuidade da produção agrícola ou pecuária.
Negociação com credores: O plano de recuperação oferece a oportunidade de negociar condições de pagamento mais favoráveis com os credores, incluindo descontos e prazos estendidos, tornando a dívida mais gerenciável.
Proteção contra execuções: O deferimento da recuperação judicial suspende ações de execução contra o patrimônio do empresário rural, oferecendo um alívio temporário para as pressões financeiras.
Preservação do patrimônio: Em vez de recorrer à falência, que muitas vezes resulta na venda de ativos a preços desvantajosos, a recuperação judicial permite a preservação do patrimônio do produtor rural e a busca por soluções financeiras mais sustentáveis.
A Lei 11.101/05 sofreu várias mudanças em 2020, oportunidade em que foi prevista formalmente a recuperação do produtor rural. A mudança, que a princípio foi positiva por afastar qualquer discussão a respeito do cabimento da recuperação no segmento rural, por outro lado trouxe limitações, especialmente na abrangência dos créditos que se sujeitam aos efeitos do plano de recuperação.
A recuperação judicial não se destina a qualquer empresário rural em dificuldades. Precisa ser avaliada a partir do perfil do endividamento, atividade do produtor e também suas perspectivas futuras. No entanto, dada a força que tem para enfrentamento de dificuldades, deve sempre discutida e considerada por aqueles que atravessam dificuldades econômicas.