Por Paulo Eduardo Faria Barretto – advogado
Nesta última semana, tomou os holofotes de toda a mídia o anúncio da agência de viagens 123Milhas, famosa por oferecer passagens aéreas com preços competitivos, de que irá suspender os pacotes e a emissão de passagens de sua linha promocional, afetando viagens já contratadas com embarques entre setembro e dezembro de 2023. A relevância do anúncio se deu por se tratar de uma das maiores agências online de viagens do país.
A empresa atribui essa decisão “à persistência de fatores econômicos e de mercado adversos, entre eles, a alta pressão da demanda por voos, que mantém elevadas as tarifas mesmo em baixa temporada, e a taxa de juros elevada”. Afirmou, ainda, que os clientes que já haviam adquirido produtos da linha promocional receberão vouchers no mesmo valor, com correção monetária de 150% do CDI.
As consequências da decisão tomada pela empresa já começam a aparecer. O Ministério do Turismo acionou a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) para avaliar a conduta da agência e esclarecer as razões dos cancelamentos, identificar os consumidores atingidos pela decisão e promover a reparação dos danos. Além da Secretaria, o Procon exigiu da empresa maiores detalhes sobre os fatores que teriam levado à suspensão dos pacotes e as medidas tomadas para atender os clientes lesados.
A questão também já está sendo judicializada. A Defensoria Pública de Minas Gerais propôs nesta quarta-feira (23/08) uma Ação Civil Pública contra a agência – sediada em Belo Horizonte (MG) – requerendo que os consumidores prejudicados sejam indenizados por danos morais coletivos ou que seja restabelecido o serviço conforme foram comercializados. Requereu, ainda, o ressarcimento integral e atualizado (em dinheiro) do valor gasto.
Começam a surgir, também, as primeiras decisões liminares contra a 123Milhas, ordenando que a empresa emita os boletos de passagens, dentro de um determinado prazo, sob pena de multa diária. Um exemplo ocorreu em Ribeirão Preto (SP): a 7ª Vara Cível da comarca determinou o bloqueio de aproximadamente 44 mil reais em contas da empresa, visando o reembolso de cinco passagens aéreas adquiridas por um cliente.
Do ponto de vista do Código de Defesa do Consumidor, é da empresa a responsabilidade pelo vício do serviço, independentemente de culpa pelo prejuízo causado ao consumidor, por ser dela o risco do negócio. Além disso, a devolução do valor pago exclusivamente por meio de voucher é contrária à legislação, devendo ser oferecida apenas como uma opção ao cliente, e não uma imposição.
O artigo 35 do CDC prevê claramente, ainda, o direito de se exigir a realização da viagem, o cancelamento da compra (com devolução do dinheiro, somado a perdas e danos) ou aceitar outro serviço equivalente.
De modo geral, o consumidor tem a opção de buscar os meios tradicionais para solução do problema: fazer contato diretamente com a empresa, obter números de protocolo de atendimento e realizar reclamações por meio do “Consumidor.gov” ou “Reclame Aqui”. A opção mais prática, contudo, é buscar o Judiciário e requerer, liminarmente, a emissão imediata das passagens ou a restituição da quantia paga, devidamente corrigida.
Resta, por fim, uma preocupação sobre a situação financeira da 123Milhas e uma possível “quebra”. Embora seja cedo para uma leitura desse tipo, deve-se ficar atento a sinais como a incapacidade de honrar com os produtos já vendidos, o descumprimento de contratos no futuro próximo e o real impacto desses fatos no caixa da empresa.