*Por Ricardo Dosso e Murilo Aires
Os atos da administração das Lojas Americanas tomam repercussão desde o anúncio de relevantes inconsistências contábeis, ocorrido no início deste ano, instalando crise financeira que culminou em seu imediato pedido de recuperação judicial, que está em trâmite. Instalaram-se investigações por autoridade competentes como a Comissão de Valores Imobiliários (CVM), bem como foram propostas demandas judiciais e arbitrais em face de auditores, controladores, diretores, entre outras figuras envolvidas nesse contexto.
Há poucos dias, a diretoria da empresa publicou comunicação de fato relevante, tornando pública a conclusão de relatório elaborado por assessores jurídicos sobre a questão. O relatório foi realizado a partir de documentos qualificados, mencionando que as demonstrações financeiras da companhia vinham sendo fraudadas pela diretoria anterior. Foi dito, inclusive, que houve esforços por parte da diretoria anterior em ocultar do conselho de administração e do mercado em geral a real situação econômica da companhia.
Sobre a operacionalização da fraude, identificou-se, em resumo, a criação de contratos em favor da companhia sem a respectiva contratação, cuja função seria melhorar contabilmente os resultados operacionais em reduções de custo, lançando-se valores por período suficiente a acumular saldo (ainda não auditado) de 21,7 bilhões de reais em 2022. O lastro de tais operações seria por redução de valores atinentes a fornecedores, na ordem de 17,7 bilhões de reais. A diferença entre os saldos – na ordem de 4 bilhões de reais – teria sido distribuída em outras classes contábeis do ativo. Para sustentar o caixa da empresa, foram realizados financiamentos indevidamente contabilizados, que impediam a correta determinação do grau de endividamento.
Ao final, o relatório indica nomes daqueles que se entende envolvidos, como o ex-CEO e profissionais do departamento financeiro. Em outros expedientes, foi confirmada a demissão de ao menos 30 funcionários de áreas afins da empresa. Publicou-se ainda ata de assembleia na qual houve a destituição imediata de diretores até então afastados, por conta da conclusão do relatório.
O caso já é chamado na mídia de a “maior fraude da história corporativa do Brasil”. Instiga discussões e a criação de novos projetos de lei nele inspirados. Também há evolução das investigações, com ex-executivos tornados réus, tendo a CVM indicado abertamente a realização de delações premiadas.
Apesar de se perceber a atuação das autoridades, com aparente avanço na investigação dos fatos, a ocasião é representativa dos imensos prejuízos da falta de accountability efetiva, sobretudo em ambientes nos quais há tantos interesses envolvidos, não se observando ainda qualquer luz no fim do túnel a respeito do abalo à confiança no mercado e da mínima reparação dos inúmeros prejudicados.
*Ricardo Dosso é sócio-fundador do escritório Dosso Toledo Advogados e especialista na área de Direito Empresarial
*Murilo Aires é advogado do escritório Dosso Toledo Advogados, com atuação na área de Direito Empresarial.