Por Natália Marques – advogada
Dados do Fundo de Defesa da Citricultura (FUNDECITRUS) apontam que, a despeito de o Brasil ser um dos atores mais expoentes a nível global na produção e exportação de suco de laranja, o número de citricultores no interior do estado de São Paulo reduziu mais de 79% do período de 1996 a 2019. Os pomares que antes ocupavam extensas áreas rurais de regiões como Bebedouro e Ribeirão Preto foram majoritariamente substituídos por canaviais.
As crises enfrentadas pelo setor, sobretudo na safra 2012/2013, são apontadas como o principal motivo para a debandada dos produtores da atividade citrícola. No entanto, a análise dos números do setor, e da cadeia de laranja como um todo, sugere que as principais responsáveis pelo fenômeno são as indústrias processadoras de suco de laranja.
Análises do setor relatam como as indústrias processadoras de SLCC são bem sucedidas em manter favoráveis suas margens de lucro, independentemente da conjuntura macroeconômica positiva ou negativa. Por exemplo, os anos-safra de 2011 a 2013, embora marcados na memória dos citricultores como período de grave crise econômica e de preços significativamente baixos, são lembrados saudosamente pelas produtoras de suco como época em que preservaram e até mesmo majoraram sua margem bruta de comercialização.
Como explicar a discrepância? O sucesso de uma empresa não deveria ser refletido no sucesso das demais?
Como é um punhado de indústrias que controlam o mercado (inclusive acusadas de prática de cartel), e os produtores são inúmeros, há um desnivelamento das respectivas capacidades de negociação.
Por consequência, o fato da “conta não fechar” para os citricultores é vinculada a determinadas práticas contratuais adotadas pelas indústrias processadoras que repassam prejuízos e efeitos das crises aos produtores, como, por exemplo, a ruptura abrupta dos contratos e a imposição de renegociação das condições comerciais.
Por tal razão, os produtores por diversos anos receberam preços abaixo dos próprios custos de produção, envolvendo-se em um ciclo de dívida perante instituições financeiras, sem quaisquer incentivos para investir em sua atividade, inclusive em pautas que contribuiriam para a eficiência e o desenvolvimento da cadeia como um todo (como técnicas de irrigação responsáveis pelo incremento da produtividade e da qualidade da fruta, aumentando a competitividade da laranja brasileira). Para muitos, a solução não foi obter mais crédito rural, mas, sim, cortar as relações com as indústrias e migrar para a cana-de-açúcar, que oferecia condições mais justas de pagamento.
Qual a lição que podemos tirar do histórico do mercado citrícola brasileiro?
Quando tratamos de “agronegócio”, há referência a uma sistema, a uma cadeia de empresas que atuam em diversos segmentos, “da fazenda ao garfo”. O agronegócio não se confunde com agropecuária, de modo que o PIB do agronegócio, constantemente divulgado como referência dos ótimos resultados do setor como um todo, pode não servir de parâmetro para os resultados de cada segmento, especialmente aquele “dentro da porteira”.
Refletir apenas em termos dos números globais e absolutos da cadeia impede a visão individualizada que permita identificar falhas que estejam impedindo que atinja o máximo potencial possível, contribuindo ainda mais para a economia brasileira. A atenção, pelo Poder Público, às demandas específicas dos atores de cada fase deste percurso percorrido pelos produtos agroalimentares é primordial para se assegurar que o caminho seja de fato fluído, eliminando-se os obstáculos, muitas vezes ocultos, que estejam prejudicando o sistema.