Para nossa cultura, 2022 foi ano de escuridão. Perdemos muitas personalidades conhecidas pelo grande público, como Elza Soares, Milton Gonçalves, Gal Costa, Rolando Boldrin, Jô Soares e Ilka Soares.
Muitas salas de espetáculos, muitos grupos teatrais, muitas editoras e livrarias não aguentaram as quebras de público do período de pandemia, o torniquete dos juros, e a competição desigual movida pelas grandes redes midiáticas. E, pior que tudo: não havia como escapar da perseguição brutal aos produtores culturais, movida por um governo federal obscurantista, imbecil e covarde.
Mas, em meio a essa escuridão, alguns pontos de luz nos dão esperança de tempos melhores. Um desses pontos de luz brilha na cidade de Franca, que é paulista na localização e mineira em seu linguajar e seu recato.
Em três salas de seu Teatro Municipal, construído nos anos 1970, encontra-se o Museu do Teatro Amador Paulista (MTAP), luz que iluminou a pesquisa que estou realizando e que preserva o brilho de uma das mais importantes formas de expressão cultural do estado de São Paulo: o teatro feito por pessoas apaixonadas pela arte e pelo palco.
Não por acaso, esta arte é o Teatro Amador, ou seja, feito por quem ama – feito por amadores!
O MTAP surgiu no início deste século, a partir da idealização de dois grandes homens públicos: o então prefeito de Franca, Sidnei Rocha; o então secretário de cultura de Santos, Carlos Pinto. Os dois eram amadores de teatro em outro tempo de escuridão, a ditadura militar dos anos 1964-1985.
O prefeito Sidnei viabilizou o espaço e forneceu os equipamentos básicos para fazer o museu funcionar; Carlos Pinto entregou uma impressionante massa de documentos, que serviu de base para os arquivos da nova instituição.
E os dois organizaram um pequeno e valoroso exército de fornecedores de documentos. Assim, Humberto Sinibaldi, em Rio Preto; Hamilton Lima, em Ribeirão Preto; Ângelo Bonicelli, em São Carlos; Hilda Breda, em São Bernardo do Campo; Homero Búfalo, em Sorocaba, Berlanga Guerrero, em São Vicente; e outros, muitos outros, invadiram sótãos, bibliotecas e cartórios, buscando material para o MTAP.
Agora escrevo sobre quem, nos últimos anos, segue iluminando a história do teatro amador paulista, fazendo um trabalho meticuloso, correto, tecnicamente apurado de digitalização do acervo. Estes trabalhadores são voluntários e, apesar do trabalho gigantesco que realizam, não colocam os seus nomes nas páginas do Facebook ou do YouTube do MTAP.
São quatro ou cinco heróis anônimos. Três deles eu vou denunciar: Cardoso Júnior, Jô Ribeiro , Reginaldo Emídio e Rejane Genaro.
Assim posso agradecer a luz que me deram, quando escrevi o livro “Arte e Resistência em Tempos de Silêncio” (Editora RiMa). E que continuam a me iluminar agora que estou fazendo minha tese de pós-doutoramento.
Aliás, de luz não posso reclamar, pois além da que me emprestam os rapazes do MTAP, tenho o farol possante e gentil de meu orientador, prof. Pedro Tosi.
Enfim, que fique consignado o fato de que há esperança para a cultura brasileira, enquanto pudermos contar com este pessoal maravilhoso de Franca e seu trabalho. Em nome dos que vivem para a cultura do Brasil, muito obrigado!
NEY VILELA
Doutor em História e mestre em Comunicação Social. Homem de teatro e de livros. Sobretudo, professor.