Existe um costume entre alguns tutores de que deixar a televisão ligada ao sair de casa ajuda o animal doméstico a não se sentir sozinho e o tranquiliza em relação aos sons externos, como a movimentação dos vizinhos, carros e outros animais. Mas será que a televisão realmente tem esse efeito?
De acordo com a ciência, a TV não traz nenhum benefício e pode potencializar problemas como a ansiedade. Os cães não enxergam as imagens da televisão da mesma forma que os seres humanos, é o que explica a geneticista Camilli Chamone.
“A visão de um humano capta um vídeo na frequência de 60 hertz. Para o cachorro, essa frequência teria que ser 80 hertz. Então, na verdade, o que ele enxerga é um monte de imagens ao mesmo tempo e que não formam um vídeo contínuo – é como se fossem fotos sobrepostas, passando em uma super velocidade”, diz Chamone.
O adestrador comportamental André L. Almeida ressalta também que tudo depende muito da associação que o animal faz para determinadas situações, o que pode tranquilizar ou não o cachorro, e isso vale para a TV e até para as músicas.
Assim, esse estímulo visual intenso pode aumentar a ansiedade do animal. “Ao ser bombardeado com todas essas imagens, ocorre, no cérebro do cão, uma hiper estimulação visual, que gera a liberação de um neurotransmissor chamado noradrenalina – ela, por sua vez, produz hiper estimulação do sistema nervoso central. Isso deixa o animal ainda mais agitado, com comportamentos hiperativos (como latir demais, destruir objetos, se lamber de forma compulsiva ou dar corridas malucas pela casa, especialmente ao final do dia) e dificuldade para relaxar”, exemplifica a geneticista.
Para a Chamone, essa hiper estimulação, ao produzir aceleração mental, atrapalha o foco e a concentração. Por isso, ainda que o cachorro demonstre certa “interação” com a TV (mexer as orelhas ou a cabeça para um lado, levantar, arregalar os olhos, latir, abanar o rabo, etc), isso não significa que ele esteja se divertindo.
O adestrador aponta que o cão não consegue associar o som às imagens que estão passando na tela. “Tem cachorro que até olha para a TV e fica entretido, como quando aparece uma bola ou um cachorro [na imagem]. Tem até quem coloque a Dog TV, o que atraí bastante a atenção do cachorro”, comenta.
André alerta sobre um risco que se corre ao usar a TV como um meio de deixar o animal distraído: “Isso pode fazer o cachorro pular na televisão (por ver algo que ele entenda como uma presa, por exemplo), além de deixá-lo ansioso sem necessidade”. Ele explica que a TV ligada é algo muito aleatório para o cão, o que também acontece com o rádio, mas, por ser apenas sons, se torna algo mais adequado ao animal.
Ver TV é uma necessidade humana, e não do cachorro. Do ponto de vista cognitivo, os cães são muito pouco desenvolvidos, quando comparados a nós – então, por exemplo, se olham a sua própria imagem refletida no espelho, não conseguem compreender que são eles próprios. “Com a tela, é a mesma lógica – ele não entende que há, ali, imagens fictícias, podendo, inclusive, enxergar aquilo como uma situação de risco, dependendo do cenário”, ressalta Chamone.
Para nós, pessoas, maratonar uma série pode ser legal e relaxante, mas os cães não fazem a mesma associação. “Não existe benefício cientificamente comprovado de colocar o cachorro ‘assistindo’ televisão. Por isso, é fundamental respeitar essa espécie tão linda e diferente que trouxemos para casa”, recomenda a geneticista.
Programações e playlists voltadas para a TV são mentira?
Não necessariamente! Na verdade, como André L. Almeida explica, tudo dependerá de como o animal associa determinados sons, desde uma música a até ruídos do dia a dia. Um animal distraído com uma TV não significa que ele está de fato assistindo o que está passando por ali.
“As pessoas romantizam e humanizam demais, e isso vem cada vez mais ganhando força. Elas acreditam que o cachorro tenha mudado de comportamento por causa da TV que ficou ligada, mas não é bem assim”, diz.
Quando o tutor liga TV sempre que vai sair de casa, o cachorro irá fazer essa associação, “ele saberá que a TV ligada significa que o tutor vai sair e demorar a voltar, então ele aprende que não adianta ficar estressado porque o humano só retorna em um determinado horário. Essa calma do cão é associada à TV, mas, na verdade, vem da frequência do comportamento”.
Ao associar sons a acontecimentos positivos, os cães tendem a se sentir mais tranquilos. Até mesmo barulhos considerados assustadores para os animais, como fogos de artificio, podem se tornar menos nocivos aos pets quando eles entendem que aquele barulho trará algo positivo em seguida, como um alimento que ele gosta, por exemplo.
O que realmente acalma o cachorro, no entanto, é gastar energia, se ele fizer alguma atividade estimulante que o deixe mais cansado, ele irá dormir enquanto o tutor estiver fora, não importa se há ou não uma TV ou rádio ligado para ele.
Os cães conseguem reconhecer imagens na TV, mas até certo ponto
Com os aparelhos mais modernos, com imagens de alta definição, os cães conseguem reconhecer imagens – embora não vejam todas as linhas de movimento – essa realidade aumenta quando se trata de imagens estáticas.
Deixar imagens da família, por exemplo, pode trazer certo relaxamento ao animal, mesmo que ele não entenda por que todas aquelas pessoas estão lá. Mas isso irá reforçar esse comportamento, enquanto os tutores não estão no ambiente, e pode até prejudicar o animal futuramente.
“O recomendado é sempre tratar o cachorro como cachorro, com o que ele precisa, não importa qual seja a raça ou onde ele mora”, André destaca. “Ele tem que ser cachorro, ele tem que brincar, ele tem que correr, ele tem que ir para a rua! Tem gente que deixa o cachorro a vida inteira sem sair, com a justificativa de que ‘tem uma casa grande’, e isso é um absurdo”.
André exemplifica com o isolamento social, ocorrido no auge da pandemia de covid-19, quando muitas pessoas não aguentavam ficar muitos dias presos dentro de casa, independentemente do espaço. “Os cães precisam correr, brincar, eles precisam sair e ir para a rua. Esse é o natural do cachorro!”, completa.
Estímulo positivos para o cachorro
Em vez de ligar a TV, uma forma simples de estimular o cachorro positivamente é deixá-lo farejar, um comportamento natural para ele e que envolve o olfato, seu principal sentido.
“O tutor pode enriquecer o ambiente ao esconder petiscos pela casa, por exemplo, colocando o olfato do peludo para trabalhar. Ao contrário da hiper estimulação visual, a estimulação olfativa produz relaxamento do sistema nervoso central. Se você quer um cachorro calmo, estimule o olfato, e não a visão”, assegura Chamone.
Ela completa apontando que os tutores podem, e devem, usar outros meios para entreter o cachorro enquanto estiverem ausentes, que são muito mais saudáveis do que simplesmente manter uma tela ligada.
“Quando sair sem o cachorro, substitua as telas por uma atividade dentro de casa que dê a ele a oportunidade de farejar. E, sempre que possível, troque a tarde na TV por um passeio no parque, com muita natureza e cheiros diferentes – corpos e mentes (de cachorros e de humanos) agradecem”.
Fonte: Canal do Pet