Eu estava com sete anos e morava na rua ministro João Mendes, pertinho do canal 5 em Santos SP. Do outro lado do canal havia campos de várzea onde hoje está o Sesc.
Na ainda pacata Santos, jogava futebol com os meus vizinhos quase todas as tardes, por lá. Numa dessas partidas, passei a bola para um companheiro, recebi de volta, driblei um adversário, chutei cruzado e marquei um gol. Confesso que não me lembro de ter feito isso, mas alguém – ao final do jogo – descreveu meu gol e, ainda comentou: “você não fez firula e se preocupou em fazer o gol; é assim que se faz”. E me deu uma bola de presente: era o Pelé.
Pelé, no campo, só pensava em uma coisa: fazer gols. Se fosse necessário destruir impiedosamente a defesa adversária, ou fazer alguma jogada de gênio, ou dar um chute seco, ou servir um companheiro mais bem posicionado, Pelé simplesmente lançava mão do recurso mais eficiente para balançar a rede adversária. Ele mesmo disse que, antes de iniciar um jogo de futebol, orava para que ocorressem gols no decorrer da partida, mesmo que fossem gols do adversário.
Com essa objetividade, Pelé jogou todas as partidas, do primeiro ao último minuto. Não importava se o jogo já estava ganho (ou perdido…), Pelé jogava para fazer gols. E o fez 1281 vezes, em jogos profissionais. Recorde que, mesmo com a multiplicação de jogos e campeonatos e com a maior longevidade dos atletas nos campos de futebol, nem de perto foi ameaçado pelos grandes talentos futebolísticos que vieram depois.
A busca incansável pelo gol também fez de Pelé o maior colecionador de títulos de todos os tempos: tricampeão mundial de seleções, bicampeão mundial de clubes, uma dezena de vezes campeão paulista, seis vezes campeão brasileiro etc.
Pelé também foi um cidadão exemplar, independentemente de concordarmos, ou não, com suas posições. É importante recordar que o Regime Militar tentou instrumentalizar a fama de Pelé e o nosso Rei, em protesto, decidiu se aposentar da seleção aos 31 anos e no auge de sua carreira. João Havelange, presidente da CBF (na época, CBD) ameaçou puni-lo e, em reação, Pelé ameaçou encerrar sua carreira naquele ano de 1971.
É graças a Pelé, que o mundo passou a conhecer e admirar o Brasil. No fundo, Brasília, Tom Jobim, Chico Buarque, desfiles de carnaval, defesa da ecologia, Fittipaldi, Senna só existem planetariamente porque Pelé existiu.
A dor, que sentimos pela morte de Pelé, é ainda mais profunda porque nosso país não soube guardar o imenso tesouro que sua arte construiu. Um incêndio, nas dependências da TV Record, destruiu o acervo de partidas protagonizadas pelo Rei. Não havia cópias. Eu, que assisti a vários jogos do Santos, entre os meus dez e dezenove anos, na Vila Belmiro ou na TV, lhes garanto: não há nada, ou ninguém, que se compare a Pelé.
Nessa época em que meu pai conheceu o exílio, Pelé me ajudou a esquecer, durante os jogos, da rudeza do dia a dia. Obrigado, filho do Dondinho (que morava ao lado de minha casa, no Embaré); descansa em paz.
Mauriney Eduardo Vilela (Ney Vilela)
Doutor em História e mestre em Comunicação Social. Homem de teatro e de livros. Sobretudo, professor
Herói da minha meninice, que sorte, a minha, uma bola e uma foto autografada!
Fiquem com meu abraço e o desejo de um Feliz Ano Novo.