No Recurso Ordinário Trabalhista nº 0000596-93.2022.5.21.0004, uma ação movida por uma consultora de vendas/corretora de imóveis contra a empresa onde trabalhava, MRV Engenharia e Participações SA, a corretora alegou ter sido contratada como prestadora de serviços autônomos, mas que, na prática, mantinha uma relação de emprego com a empresa, configurando fraude trabalhista.
A empresa negou o vínculo empregatício, afirmando que a consultora atuava como corretora de imóveis autônoma, sem subordinação e recebendo comissões. No entanto, o juízo de primeira instância reconheceu o vínculo empregatício, condenando a empresa a pagar diversas verbas trabalhistas.
O Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região manteve essa decisão, pois além do uso da prática da “pejotização” pela empresa para tentar disfarçar o vínculo empregatício, o que é considerado fraude trabalhista, o tribunal reconheceu o vínculo empregatício e manteve as condenações.
Nesse caso, a corretora realizava vendas de imóveis exclusivamente da empresa, sob subordinação e com exigência de exclusividade na prestação do serviço, o que caracteriza a relação de emprego. Além disso, a prática da “pejotização” (que ocorre quando a empresa obriga o funcionário a abrir um CNPJ para não arcar com as custas trabalhistas) foi utilizada pela empresa para tentar disfarçar a relação de emprego existente, o que configura fraude trabalhista.
Certas construtoras induzem os corretores a estabelecerem uma Pessoa Jurídica, o que serve como uma maneira de esconder a verdadeira natureza da relação de trabalho. Nesse contexto, os corretores acabam aceitando as regras estabelecidas pelas construtoras, seguindo uma hierarquia e perdendo parte de sua autonomia. Essa situação faz com que o corretor se submeta à orientação e controle mais direto da construtora, sendo possível a caracterização do vínculo empregatício.
Para mais, o Tribunal aplicou o princípio da primazia da realidade, em que os fatos prevalecem sobre a forma, para reconhecer o vínculo empregatício. No direito do trabalho, esse princípio serve para estabelecer que a realidade dos fatos deve prevalecer sobre a forma como eles são aparentemente apresentados. Isso significa que, em casos de conflito entre o que está formalmente estabelecido em um contrato ou documento e a realidade das relações de trabalho, a realidade prevalece.
Faz-se necessário compreender esse termo, pois ele não se baseia apenas nessa definição. O vínculo empregatício possui cinco elementos que evidenciam a relação jurídica entre o empregador e o empregado. Estes elementos são fundamentais para definir a natureza e os direitos envolvidos na relação de trabalho. Os principais são:
Pessoalidade: refere-se à exclusividade do empregado em desempenhar suas funções, não podendo ser substituído por outra pessoa sem a autorização do empregador.
Subordinação: indica que o empregado está sujeito às ordens e direções do empregador em relação à execução do trabalho. Esta subordinação envolve aspectos como horários, métodos de trabalho e cumprimento de tarefas específicas.
Não Eventualidade: diz respeito à regularidade na prestação de serviços, caracterizando um compromisso contínuo, mesmo que não seja diário.
Onerosidade: reflete a contrapartida financeira, ou seja, o empregador paga um salário para o empregado pelo trabalho realizado.
Pessoa Física: A relação é estabelecida com uma pessoa física, não sendo aplicável a entidades jurídicas.
Exclusividade (em alguns casos): Em certas situações, o empregador pode exigir exclusividade do empregado, impedindo-o de trabalhar para outros.
Estes elementos são essenciais para distinguir a relação de emprego de outras formas de trabalho autônomo ou prestação de serviços. A presença conjunta desses fatores indica a existência do vínculo empregatício e, consequentemente, a aplicação das normas trabalhistas para proteger os direitos do empregado.
Com base nesses motivos, o Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região decidiu manter a decisão de primeira instância, reconhecendo a existência de vínculo empregatício entre a reclamante e a empresa, pois a empresa também não apresentou provas suficientes para desmerecer a subordinação, a pessoalidade, a exclusividade e a continuidade, caracterizadores do vínculo empregatício.
A jurisprudência, exemplificada por casos como o Recurso Ordinário nº 0000596-93.2022.5.21.0004, evidencia a relevância de avaliar cuidadosamente as práticas adotadas pelas empresas para garantir o cumprimento das leis trabalhistas. A submissão de profissionais a condições que contradizem a natureza autônoma da profissão de corretor de imóveis pode resultar em consequências jurídicas significativas.
Dessa forma, é essencial que os profissionais autônomos conheçam bem seus direitos, não apenas para se protegerem de possíveis problemas, mas também para consolidarem e fortalecerem sua posição em um ambiente de trabalho cada vez mais transparente e justo.