No distante outubro de 2018, quando Jair Bolsonaro apresentou-se ao país como presidente eleito na primeira de tantas lives na internet, três livros foram posicionados estrategicamente sobre sua mesa.
Um deles, a Bíblia, talvez seja o único que ainda faça algum sentido político, dados os acenos incessantes aos quase 30% de eleitores evangélicos do país e a necessidade ter uma passagem citada aqui e ali.
Outro, as memórias do estadista mais festejado do Ocidente moderno, o britânico Winston Churchill.
Dado o desempenho do presidente nos seus três anos de poder, além de sua professada fé na ausência de leitura, é de se especular que nunca tenha sido aberto.
Por fim, repousava “O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota”, best-seller de Olavo de Carvalho, o escritor cuja morte foi apropriadamente anunciada nesta terça (25) nas redes sociais em que ele de fato criou sua mística.
Se toda seita que se preze tem seu profeta, Olavo emergiu com o título entre aqueles que transformaram Bolsonaro em “mito”, aspas compulsórias. Sua influência iluminou a saída das sombras de figuras que, por algum momento, comandaram áreas vitais do país.
Ainda está para ser definido o alcance do desastre nas mais afetadas, como as Relações Exteriores sob Ernesto Araújo, a Educação com Abraham Weintraub e o Meio Ambiente de Ricardo Salles, mas o cardápio de problemas parece é volumoso.
No Itamaraty, berço da elite das carreiras de Estado do país, poucos entenderam a gestão Araújo, com a exceção óbvia daqueles que viram nela uma oportunidade.
Logo no início do governo, um experiente embaixador relatou um encontro casual que tivera com o então ocupante de posto secundário em Washington.
Resumiu sua impressão do novo chanceler com um “ele não parecia ser aquilo”. Adicionou pouco diplomáticos palavrões e a crítica ao conjunto olavista de ideias de Araújo, todos catalogáveis nos cursos e palestras onlines daquele que se dizia filósofo.
Algumas delas chegaram a colar nas falas oficiais do Bolsonaro de 2019, como o combate ao dito globalismo, à ameaça comunista encarnada na China, George Soros e sabe-se lá mais quem. Tudo isso foi evaporando à medida que o governo avançava para sua montanha-russa de 2020 até hoje.
Araújo, Weintraub e Salles foram imolados no altar da nova aliança de Bolsonaro com o centrão, movida por cálculo de sobrevivência quando a revolução sonhada pelos ideológicos mostrou-se o que era, um delírio.
O próprio Olavo, ainda que celebrado na morte nas redes sociais (sempre elas) dos filhos mais histriônicos do presidente, o deputado Eduardo (PSL-SP) e o vereador Carlos (Republicanos-RJ), já tinha se afastado com críticas ao titular do Planalto.
Antes e depois, foi sendo sumindo ao poucos o séquito ainda mais folclórico do olavismo de escalões inferiores, como o secretário de Cultura que emulou Joseph Goebbels em, claro, um vídeo online -de tão bizarro, até o guru criticou o episódio.
Olavo desaparece agora no momento em que o bolsonarismo encerra seu ciclo com a implosão da suposta coesão de seu grupo ideológico.
Araújo e Weintraub criticam abertamente o governo, buscam espaço político entre as franjas radicais de direita que surgiram na esteira da onda conservadora estimulada por Bolsonaro.
Aderentes menos estridentes do grupo, como Salles, se organizam também, embora o “Olavo tem razão” que tornou-se grito de guerra nas ruas bolsonaristas tenha se tornado algo envergonhado entre outros políticos ligados à turma.
A vaga de 2018 espraiou-se, deixando na praia apenas resquícios a serem coletados no campo dito olavista. Certamente não voltarão às sombras voluntariamente, podendo obter uma sobrevida na previsível radicalização do presidente para tentar chegar ao segundo turno neste ano.
Ou procurarão, caso Bolsonaro falhe em outubro, outro hospedeiro para suas ideias. O atual, seja por inapetência ou mero cálculo político, nunca teve a cabeça feita de fato pelo guru ora morto.
IGOR GIELOW (FOLHAPRESS)