O vereador Carlos Cesar Arcolino, o “Professor Kaká” (Republicanos) reeleito no dia 6 de outubro último pode ser impedido de tomar posse na Câmara Municipal de Franca em 1º de janeiro de 2025. Isto porque o paramentar teve sua prestação de contas não aprovadas pelo Ministério Público Eleitoral, suspeito de ter feito Caixa 2 no valor de R$ 5 mil.
O parecer do promotor de Justiça Eleitoral, André Donizeti Zanutim, é pela rejeição das contas por representarem vícios graves e insanáveis, que contrariam dispositivos centrais da Lei n.º 9.504/97, referentes à movimentação financeira da campanha e à correspondente prestação de contas de campanha, bem como da Resolução TSE n.º 23.607/2019.
Kaká foi reeleito com 2.242 votos. Caso ele seja impedido de tomar posse a vaga pode ir para Luis Fernando De Sousa, o “Fernando Carteiro”, primeiro suplente do Republicanos, que obteve 2.041 votos.
No parecer enviado a Justiça Eleitoral, André Zanutim diz que a análise prévia do setor técnico, foram solicitadas informações e/ou diligências (ID 133459551). Na sequência, o requerente apresentou os documentos e comprovações pertinentes e, ao final, o parecer conclusivo foi no sentido da desaprovação das referidas contas (ID 133664223).
Parecer técnico apontou que (ID 133664223), mesmo após a apresentação da documentação e informações solicitadas, foi realizada despesa com impulsionamento de conteúdo contratada de forma indireta – ofensa ao art. 35 da Res. TSE nº 23.607/2019.
No tocante à despesa com impulsionamento de conteúdo, verificou-se que o montante total a ela per nente registrado nestas contas equivale a R$ 5.000,00, tendo seu pagamento transitado pela conta bancária de campanha des nada a movimentar recursos do FEFC.
Diligenciado, o prestador de contas apresentou notas fiscais emitidas no CPF do candidato, de modo que restou configurada a irregularidade, tendo em vista que as referidas notas deveriam ser emitidas no CNPJ de campanha, conforme art. 60 da Res. TSE 23.607/2019, cabendo o recolhimento da importância supracitada ao erário, nos termos do art. 79, §1º da Res. TSE nº 23.607/2019.
Entende o Ministério Público Eleitoral, na linha do que consta no relatório final do Cartório Eleitoral, que as contas do candidato merecem a desaprovação. As irregularidades apontadas pela unidade técnica responsável pelo exame das contas são, inequivocamente, suficientes para a rejeição das contas, por representarem vícios graves e insanáveis, que contrariam dispositivos centrais da Lei n.º 9.504/97, referentes à movimentação financeira da campanha e à correspondente prestação de contas de campanha, bem como da Resolução TSE n.º 23.607/2019.
Por outro lado, importante salientar que tais irregularidades violam a transparência e a lisura da prestação de contas e dificultam o efetivo controle, por parte da Justiça Eleitoral, sobre a licitude da movimentação dos recursos de campanha, além de denotar possíveis desvios na administração financeira da campanha e a prática do famigerado “caixa 2”
Em decorrência disso, as omissões e falhas da prestação de contas sob exame não asseguram que a campanha política tenha sido desenvolvida de forma límpida, com a garantia do equilíbrio da concorrência, sendo ilegítimo eventual mandato conquistado.
Saliente-se que a omissão – total ou parcial – de dados na prestação de contas denota desinteresse do candidato em submeter-se ao controle jurídico-contábil, em revelar a origem e o destino exatos dados aos valores arrecadados e empregados na campanha. A falta de transparência faz brotar a presunção de que a campanha se desenvolveu por caminhos escusos, inconfessáveis, incompatíveis com os princípios que informam o Estado Democrático de Direito; induz a crença de que os autos de prestação de contas não passam de peça ficcional, longe, pois, de espelhar a realidade. O bem jurídico protegido é a lisura da campanha eleitoral.
Se a campanha é alimentada com recursos de fontes proibidas ou obtidos de modo ilícito, ou ainda, realiza gastos não tolerados, ela mesma acaba por contaminar-se, tornando[1]se ilícita. Da campanha ilícita jamais poderá nascer mandato legítimo, pois árvore malsã não produz senão frutos doentios. Imperioso destacar, ainda, que as despesas irregulares somam cerca de 34% dos gastos efetuados, denotando o grande impacto de tal comportamento.
O portal FNT enviou mensagem via WhatsApp ao vereador Kaká para que o mesmo possa se manifestar sobre o parecer, porém, até a publicação desta reportagem o parlamentar não havia respondido à mensagem.
Entendimento sobre desaprovação das contas e quitação eleitoral
A bacharela em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Maria Letícia Rodrigues Guimarães Araújo Resende, entende que a prestação de contas de campanha é exigida de todos os candidatos que participaram do pleito eleitoral, ainda que tenham renunciado ao longo do período, devendo ser apresentada até 30 dias após a realização das eleições, conforme dispõe a Lei Federal nº 9.504/1997.
A finalidade principal da prestação de contas é verificar a regularidade na arrecadação e aplicação dos recursos de campanha feitas ao longo do período eleitoral, com o intuito de preservar a transparência das transações financeiras dos candidatos e, por consequência, impedir a ocorrência do caixa dois2.
No que diz respeito à análise das prestações de contas, a Justiça Eleitoral pode decidir pela aprovação, pela aprovação com ressalvas, pela desaprovação ou pela não prestação.
No que tange à aprovação das contas, seja com ou sem ressalvas, não haverá repercussão negativa na esfera do candidato. Já em relação à não prestação de contas, ao candidato que não as apresentar será negada a certidão de quitação eleitoral (comprovante de que está regular perante a Justiça Eleitoral) pelo prazo do mandato ao qual concorreu e, ultrapassado esse prazo, até que as contas sejam apresentadas. Quanto a isso, não há polêmica.
A grande discussão, no entanto, gira em torno da rejeição das contas apresentadas pelos candidatos e da concessão ou não de quitação eleitoral em decorrência disso. Esse tema foi objeto de reiterada discussão pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que vem alterando seu entendimento ao longos dos últimos anos.
Em 2008, o TSE, por meio do art. 41, § 3º3, da Resolução nº 22.715/2008, tinha o entendimento de que a desaprovação das contas de campanha impedia a obtenção da certidão de quitação eleitoral do candidato, que , entre outras finalidades, é necessária para o registro de candidatura.
Em 2009, a Lei Federal nº 12.034/2009 incluiu o § 7º ao art. 11 da Lei das Eleições (Lei Federal nº 9.504/1997), cuja redação é a seguinte:
Art. 11 […]
§ 7º A certidão de quitação eleitoral abrangerá exclusivamente a plenitude do gozo dos direitos políticos, o regular exercício do voto, o atendimento a convocações da Justiça Eleitoral para auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, a inexistência de multas aplicadas, em caráter definitivo, pela Justiça Eleitoral e não remitidas, e a apresentação de contas de campanha eleitoral. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009.) (Grifos nossos.)
Em virtude desse novo dispositivo legal, o TSE passou a divergir quanto a esse tema.
Havia um posicionamento no sentido de que a desaprovação das contas continuaria a impedir a obtenção de certidão de quitação eleitoral ao respectivo candidato sob o argumento de que a referida norma deveria ser interpretada à luz dos princípios norteadores do processo eleitoral.
Por outro lado, formou-se um posicionamento contrário, sob a fundamentação de que o legislador havia sido claro quanto a que bastaria a tão só apresentação das contas de campanha para que o candidato estivesse quite com a Justiça Eleitoral.
Em 2010, o art. 26, § 4º4, da Resolução-TSE nº 23.221/2010, trazia que, entre outras hipóteses, a quitação eleitoral deveria abranger a apresentação “regular” de contas de campanha eleitoral. Em virtude dessa expressão “regular”, muito se discutiu se o TSE não estaria extrapolando seu poder regulamentar.
Em outros termos, muito foi especulado se o TSE estaria restringindo a obtenção de certidão de quitação eleitoral pelo candidato de forma a não bastar apenas a apresentação das contas de campanha para sua aquisição, tal como havia sido estabelecido pelo Congresso Nacional, ao incluir o § 7º no art. 11 da Lei das Eleições, acima transcrito.
Diante das várias discussões quanto à expressão “apresentação regular das contas de campanha”, prevista na Resolução-TSE nº 23.221/2010, o que prevaleceu foi o entendimento de que a rejeição das contas de campanha, por si só, não teria o poder de impedir a obtenção da certidão de quitação eleitoral.
Assim, por voto da maioria, o TSE entendeu que o adjetivo “regular” não significava a necessidade de aprovação das contas de campanha, de modo que a desaprovação das contas não impediria a quitação eleitoral do candidato (REspe nº 4423-63/RS, rel. Min. Arnaldo Versiani, em 28.9.2010).
Mesmo após esse entendimento, vários doutrinadores e cortes eleitorais divergem quanto a esse tema: uns se posicionam pela não concessão de quitação eleitoral àqueles candidatos que tiverem suas contas desaprovadas; outros, pela impossibilidade de negar certidão de quitação eleitoral em decorrência da rejeição das contas.
Em junho de 2012, ao excluir o § 2º do art. 52 de sua Resolução nº 23.376/2012, que dispunha acerca da suspensão de quitação eleitoral a candidatos que tivessem suas contas rejeitadas, o TSE levou a crer que o entendimento adotado seria, de fato, o mais benéfico aos candidatos.
Com efeito, esse posicionamento é o que está expressa e inequivocamente na jurisprudência atual da Corte Superior, conforme se pode depreender dos julgados do ano de 2012 e 2013, a exemplo do exposto neste:
ELEIÇÕES 2012. REGISTRO DE CANDIDATURA. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS DE CAMPANHA. QUITAÇÃO ELEITORAL. ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL MANTIDO NA RESOLUÇÃO Nº 23.376/2012. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. DEFERIMENTO DO PEDIDO DE REGISTRO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. A apresentação das contas de campanha é suficiente para a obtenção da quitação eleitoral, nos termos do art. 11, § 7º, da Lei nº 9.504/1997, alterado pela Lei nº 12.034/2009.
2. Entendimento jurisprudencial acolhido pela retificação da Resolução nº 23.376/2012 do TSE.
3. Agravo regimental desprovido.
(AR-REspe nº 232-11/RJ, Relator Ministro Dias Toffoli, TSE)
Dessa forma, pode-se perceber que o reiterado e recente posicionamento do TSE tem sido pela concessão de certidão de quitação eleitoral aos candidatos que tenham apresentado suas contas de campanha, ainda que estas tenham sido desaprovadas. Isso significa, portanto, que o entendimento da Corte Superior Eleitoral tem se fixado nos termos da literalidade do que foi estabelecido pelo art. 11, § 7º, da Lei das Eleições (Lei nº 9.504/1997).
Reportagem: Luis Ribeiro e Alexandre Silva
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