Escrever sobre a Educação, antes de tudo, é arriscar-se. Isso porque, estamos
“navegando em águas” cujo público é ilustrado, altamente crítico e, apesar de parecer um
contrassenso, nem sempre disposto a mudanças.
Vivemos, atualmente, várias crises em nossa sociedade. Emergências climáticas,
democracia, segurança nas escolas e assim por diante. Todas essas questões, sem dúvida,
nos obrigam ao ato de pensar. As crises nos estimulam a mudanças e ao progresso, porém,
vale o alerta da filósofa alemã de origem judaica, Hannah Arendt (2000, p. 2): “[…] uma
crise só se torna desastrosa quando lhe pretendemos responder com ideias feitas […]”.
Dessa forma, pretendemos nessas linhas, ainda que embrionariamente, refletir
basicamente sobre a crise que assola a educação, que na fala de Darcy Ribeiro (2020, p.2)
“não é uma crise; é um projeto”, e as perspectivas de um novo cenário.
Carecemos de repensar o modelo de ensino e aprendizagem, olhar mais e mais
para as novas competências que precisam se desenvolver no universo escolar, como as
competências socioemocionais, com metodologias ativas. Precisamos falar mais sobre a
saúde mental das crianças, adolescentes e, por que não, de toda a equipe escolar.
Para isso, se faz necessário, entre outras coisas, melhorar a formação de
professores. Nossa Educação precisa sair da “grade”; não é assim que denominamos o
currículo? Para quem não se lembra, até algum tempo atrás, o Dirigente Regional de
Ensino era chamado de “Delegado” de Ensino. Olha que interessante! Nossa Educação
foi construída historicamente às avessas, com olhar repressor e até castrador, eu diria.
Inseridas na Base Nacional Comum Curricular, as Competências
Socioemocionais, ainda pouco estimuladas, têm importante papel no desempenho
cognitivo dos estudantes, pois se o aluno não estiver bem consigo mesmo, por ocasião de
uma incapacidade de planejamento ou execução das tarefas, por exemplo, ou mesmo por
inabilidade de convivência colaborativa, isso afetará sobremaneira sua condição de
aprender as disciplinas do currículo clássico, ampliando ainda a evasão escolar.
Segundo o Relatório da Comissão Internacional sobre o Futuro da Educação da
UNESCO (2022): “Os currículos precisam tratar os estudantes como seres humanos
completos que, jovens e velhos, trazem curiosidade e sede de aprender
para os ambientes educacionais. Eles também trazem emoções, medos,
inseguranças, confiança e paixão. Currículos que ensinam as pessoas
como seres humanos completos apoiam suas interações sociais e
emocionais com o mundo e as tornam mais capazes de colaborar com
outras pessoas para melhorá-lo.”
O desenvolvimento socioemocional dos estudantes, passa obrigatoriamente pelo
desenvolvimento socioemocional dos educadores. Se não possuo tais habilidades, como
vou desenvolvê-las com meus alunos? Então, estamos falando de formação de
professores.
Nesse sentido, vale destacar a interessante iniciativa do Instituto Ayrton Senna,
que desenvolve um amplo trabalho de pesquisa, formação docente e apoio à educação de
qualidade, buscando reduzir a distância entre o que o mundo exige e o que a escola
oferece. Para o Instituto (2022): “Uma educação que prepare apenas para sucesso acadêmico ou
profissional não dará conta de garantir autonomia para fazer e perseguir
escolhas que resultem em uma vida melhor para cada um e para o
mundo. Mais do que ampliar o tempo na escola, é essencial expandir as
oportunidades de desenvolvimento que olhem para o ser humano como
um todo […].”
Corroboramos, ainda, com o Professor Rui Canário, Doutor da Universidade de
Lisboa, ao enfatizar que precisamos construir um novo sentido para o trabalho escolar.
Então, vejamos: “[…] No quadro de uma situação social em que os diplomas (mesmo de
nível superior) não colocam ninguém ao abrigo da exclusão social, os
programas para “democratizar” a escola não podem ter o mesmo
significado que tinham nos anos 60, ou, em Portugal, depois da
revolução de 1974. Uma perspectiva funcional da educação,
subordinada aos critérios econômicos do mercado, reforça uma relação
meramente utilitarista com a escola, por parte das classes populares que
se traduz por um aumento dos níveis de frustração. A construção de um
novo sentido para o trabalho escolar que permita revalorizar o valor de
uso dos saberes, por oposição ao seu valor de troca, aparece como a
condição de uma resposta pertinente ao défice de legitimidade da
instituição escolar” (CANÁRIO, 1999).
Então, a concepção de “educação para o trabalho”, construída no contexto da
Revolução Industrial, se perde nas brumas do tempo. Aquilo que até então era sinônimo
de segurança econômica e social — o diploma —, não consegue mais, por si só, garantir
proteção social para o indivíduo. Muitos são aqueles que, hoje em dia, oriundos de boas
escolas ou da cátedra das universidades, não conseguem estar no mercado de trabalho,
por incapacidade de gerenciar as próprias emoções na relação interpessoal.
A condição de solucionar problemas de forma criativa e colaborativa, cada dia
mais, torna-se realidade no cotidiano das corporações, exigência fulcral para conseguir
espaço no mercado de trabalho. Segundo Alencar (1996, p. 03) citando Hosotani:
“O conceito do ‘homem ideal’ procurado pela sociedade moderna mudou
de um que é ‘enciclopédia ambulante’ para um homem preparado para
solucionar problemas. Pode-se dizer que o valor do ser humano está na
sua criatividade e habilidade em solucionar problemas, e solucioná-los
cooperativamente, que é a chave para a sobrevivência.”
Interessante observar que em 1907, em Sacramento/MG, existiu um modelo de
educação completamente alinhado às necessidade e anseios da atualidade, cuja proposta
pedagógica foi idealizada pelo Professor Eurípedes Barsanulfo. Nas palavras do Dr.
Tomas Novelino: “[…] Eurípedes constituiu-se no seu meio, um inovador na arte científica
de educar. Tornara-se prosélito sem se dar conta […] de Pestalozzi e de
outros luminares da pedagogia. Eurípedes entendeu tão profundamente
o falso conceito de aprendizagem da escola tradicional, vigente em sua
época, que criou junto às atividades intelectuais, o cultivo de outras
aprendizagens, sobretudo da apreciativa ou emocional, formadora de
atitudes afetivas e da motriz ou ativa às atitudes e hábitos de ação.”
(NOVELINO, 1998, p. 1).
José Pacheco, idealizador da Escola da Ponte em Portugal, teve a coragem de
propor um novo modelo, nada parecido com o tradicional. Em sua escola, não se tem
provas, séries ou ciclos, o estudante é protagonista da aprendizagem e escolhe as áreas de
seu interesse para se dedicar, realizando seu aprendizado por projetos.
Segundo Pacheco (2009), ainda, em entrevista para o site Uol:
“[…] o Brasil teve aquilo que eu considero o projeto educacional mais
avançado do século 20. Se eu perguntar a cem educadores brasileiros,
99 não conhecem. Era em Sacramento, Minas Gerais, mas agora já não
existe. O autor foi Eurípedes Barsanulfo, que morreu em 1918 com a
gripe espanhola. Este foi, para mim, o projeto mais arrojado do século
20, no mundo. “
Ainda sobre o modelo educacional implementado pelo Professor Eurípedes
Barsanulfo, no Collegio Allan Kardec, considera Bicheto (2006. p. 124.):
“[…] o colégio funcionava em forma de cooperativa entre os professores
[…] Eurípedes segue uma outra linha de procedimentos, a ordem e a
disciplina não eram condições essenciais no cotidiano do seu colégio.
As relações entre Eurípedes, os professores e os alunos não eram tão
rígidas e hierarquizadas. Entre comentários de professores e relatos de
alunos pode-se entrever que Eurípedes queria construir uma escola com
mais liberdade, autonomia, diálogo e afeto. Nesse sentido os alunos e
os professores não eram observados e vigiados sem cessar. Nunca
assumiu o papel de fiscalizador e de controlador. Eurípedes era o diretor
do colégio, mas não encontramos nenhum relato que mostre Eurípedes
como um diretor autoritário, ao contrário, os testemunhos apresentam o
colégio com clima mais igualitário e menos hierárquico. Há evidencias
documentais de que todos os professores eram amigos pessoais de
Eurípedes. Ele encontrava a solução para as tensões, críticas,
discordâncias e conflitos no diálogo franco e aberto […].”
Sabemos que, assim como para Eurípedes Barsanulfo, para Pestalozzi, Rousseau,
Vygotsky e outros pensadores da educação, o afeto é fundamental para a construção do
processo de ensino e aprendizagem. Pois bem, agora, quem corrobora com essa ideia tão
necessária nos dias atuais, é a neurociência.
Assim, segundo Dantas:
“A consciência afetiva é a forma pela qual o psiquismo emerge da vida
orgânica: corresponde à sua primeira manifestação. Pelo vínculo
imediato que se instaura com o ambiente social, ela garante o acesso ao
universo simbólico da cultura, elaborado e acumulado pelos homens ao
longo de sua história. Dessa forma é ela que permitirá a tomada de posse
dos instrumentos com os quais trabalha a atividade cognitiva. Neste
sentido, ela lhe dá origem.” (DANTAS, 1992, p. 85-86).
Além disso, sobre as práticas pedagógicas do Professor Eurípedes Barsanulfo, que
merecem maior atenção do meio acadêmico, especialmente no tocante aos estímulos
propostos no processo de ensino e aprendizagem, em meio à natureza entre as artes,
convém registrar as palavras da Professora Alzira Bessa (2021, p. 77):
“[…] Não são os conteúdos que dão ritmo a uma nova aprendizagem,
mas sim, o método […] metodologia que encoraje […] desenvolver em
si a segurança e a confiança. Dessa forma, lutaremos por conhecimento
libertador […] ensinar não consiste em repassar um amontoado de
conteúdo ou de informações […].”
Cabe-nos, então, como educadores, aproximar os afetos! Perceber, antes de tudo,
que nossa sociedade está adoecida, apesar do pujante desenvolvimento tecnológico, é
fundamental. Para ter uma ideia, conforme levantamento do Instituto Nacional do Seguro
Social (INSS), os transtornos mentais são a terceira causa mais importante para a
concessão de benefício social e afastamento do trabalho no Brasil. No contexto
educacional, pós pandemia, conforme pesquisa sobre Saúde Mental dos Educadores,
realizada pela revista Nova Escola, mantida pela Fundação Lemann em parceria com o
Instituto Ame Sua Mente, “sentimentos intensos e frequentes de ansiedade (60,1%),
seguidos por baixo rendimento e cansaço excessivo (48,1%) e problemas com sono
(41,1%)” entre os Educadores.
Olhar para trás, relembrar práticas esquecidas, mais integrativas e humanizadas e
que valorize o potencial particular de cada indivíduo, pode ser um bom caminho para
repensar o que queremos para nossos filhos, sobrinhos, netos, ou seja, para todos nós.
“Amai-vos e instrui-vos”, para além do campo teológico das religiões, nunca foi tão
necessário para direcionar a tarefa de repensar a educação.
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REFERÊNCIAS
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Books, 1996.
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6
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