Os primeiros portugueses, ao se estabelecerem no Brasil, tomaram – cada um deles – muitas índias, como esposas. E, deste jeito, povoaram o Brasil. O comportamento é compreensível, dada a exiguidade do número de mulheres europeias que embarcavam nas embarcações transoceânicas, e do escasso contingente de homens trazidos para povoar tão grande território.
Nos dois primeiros séculos da colonização, bem mais do que 90% das pessoas que viviam no Brasil, consideradas como sendo de origem europeia, na verdade eram caboclas. É interessante notar que os invasores europeus do Rio de Janeiro, Pernambuco e Maranhão – sejam holandeses ou franceses – não agiram da mesma forma que os portugueses.
Evidentemente, as matrizes de nosso povo comunicavam-se com seus rebentos, utilizando-se da língua de seus ancestrais. Por consequência, os pioneiros da colonização, no recesso de seus lares, acabavam por se habituar ao uso da “língua geral”. Assim, os agricultores, ao final de duas gerações, se expressavam exclusivamente em nheengatu. Isto explica por que os jesuítas, a começar por José de Anchieta, tenham se preocupado em produzir gramáticas para o nheengatu, aproximando a língua tupi, tanto quanto possível, ao idioma português.
Os colonizadores, do centro-sul do Brasil, estavam fora das rotas de comércio dos produtos tropicais. Isolados, perderam os laços com o idioma português e – além disso – assumiram o estilo de vida, a culinária e, até, as técnicas de agricultura e de construção de moradias, dos nossos índios.
Os bandeirantes, moradores na mais pobre das regiões brasileiras de então, em busca de sustento econômico se abalançaram pelos sertões, atrás de minérios e de mão-de-obra escrava. Na luta pela sobrevivência, ultrapassaram, em muito, o Meridiano de Tordesilhas, criando a configuração territorial atual do Brasil. E o fizeram conversando em nheengatu.
Mas se assim foi, por que a língua atual, falada no Brasil, é o Português?
A resposta está no uso da mão-de-obra africana escravizada, nos ciclos do açúcar e do ouro. Desde o transporte, nos navios tumbeiros, até às senzalas dos canaviais ou das minas, o colonizador se preocupou, para evitar motins, em misturar as várias nações africanas, para evitar que os negros se comunicassem entre si. Não restou, aos africanos, alternativa, senão a de usar a língua de seus captores para poder conversar. Trazidos, primeiro, para as lavouras nordestinas, os escravizados contribuíram para a hegemonia da Língua Portuguesa, na região. Interiorizados, por conta da mineração, foram os africanos que provocaram a utilização costumeira do Português em todos os recantos de nosso território.
Os africanos talvez sejam os maiores responsáveis pela musicalidade do idioma português, falado no Brasil. E o uso relativamente recente da língua, na quase totalidade das regiões brasileiras, pode explicar a virtual inexistência de diferenças dialetais.
E todos esses fatos nos levam a reconhecer que a nação brasileira resulta de um caldeamento (e não a soma!) das culturas dos índios, dos africanos e dos portugueses. E, em alguns lugares – também – dos italianos, dos japoneses, dos alemães. Não somos o resultado óbvio de qualquer mistura étnica; somos originais, únicos. Afinal, em que lugar a difusão de um idioma foi feito por um grupo de pessoas que não o possuía como “língua-mãe”?
Mauriney Eduardo Vilela (Ney Vilela)
Doutor em História Social
Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Unesp de Franca
Grupo Letras e Sons – em defesa da Música Popular Brasileira