Os estudiosos concordam em considerar que as raízes do jazz estão no continente africano. Os pais do jazz são os escravos, da África Ocidental, trazidos para o sul dos Estados Unidos, onde os primeiros colonizadores da Louisiana, que eram franceses e católicos, tinham especial predileção pelos escravos trazidos do Daomé. Como, ao contrário dos protestantes, não estavam preocupados com a salvação da alma de seus escravos, os católicos não ligavam para os comportamentos pagãos da escravaria. Enfim, deixavam os “negros” tocarem as suas músicas…
Havia, na música dos escravos, um ritmo delicioso e complexo, muito além do padrão musical costumeiro de “canto e resposta”. Essa complexidade ainda é preservada nas letras das músicas e no próprio duelo melódico entre os instrumentos, tanto nas congregações de gospel, como nos shouting dances, nos blues e no jazz.
Os africanos também trouxeram o hábito de cantar durante a jornada de trabalho: as field hollers eram músicas satíricas, onde reinava a polifonia vocal e rítmica e onde a improvisação era muito frequente. Os instrumentos trazidos da África eram rítmicos e davam sustentação às vozes. São esses timbres e inflexões que marcarão toda a produção musical do sul dos Estados Unidos.
Façamos, aqui, um parêntese necessário: nenhum elemento musical está associado a uma “raça”, no sentido biológico (e questionável…) do termo. O senso rítmico não é inato: é adquirido, como quase tudo o mais. Como a população escrava foi confinada à senzala e segregada do resto da sociedade, os africanismos ficaram enraizados e o senso rítmico das civilizações africanas não se perdeu. Mas esse fato não faz do jazz uma música africana. É só ouvir qualquer emissora de rádio da África Ocidental, para notar que as músicas contemporâneas daquela região não se parecem, nem um pouco, com o jazz. Além disso, os jovens da África estão muito menos propensos a aderir ao jazz do que, digamos, os rapazes de classe média da Inglaterra.
Na história do jazz as influências musicais e culturais francesas foram muito importantes e acabaram assimiladas pelo grupo de escravos libertos de New Orleans, os “gens de couler” ou “créoles”. Constituídos pelos descendentes das amantes de colonizadores franceses, os “créoles” perderam sua posição social privilegiada na década de 1880, quando também passaram a ser alvos da segregação racial. Misturados aos demais descendentes de africanos, os créoles contribuíram, com sua cultura, para o surgimento do jazz.
A tradição católico-mediterrânea dos franceses de New Orleans de fazer festas públicas, carnavais, confrarias (que se multiplicaram, graças à forte predisposição africana de constituir sociedades secretas) e desfiles, também ajudou: a grande demanda por bandas, nessas festividades, fortaleceu o jazz.
Passemos às influências anglo-saxônicas. A mais evidente é a língua inglesa, que forneceu as palavras para as canções de trabalho dos escravos, para a música de gospel e para o blues secular. Mas a maior influência talvez seja a da religião: o “grande despertar”, um movimento protestante sectário, democrático, frenético e igualitário, surgido com o início do século XIX, forneceu a estrutura harmônica no qual se construiu o blues. A religiosidade, em última análise, misturou as influências africanas às europeias, nas mesmas proporções: não houve subordinação; ocorreu síntese.
E assim se construiu o jazz.
Mauriney Eduardo Vilela (Ney Vilela)
Doutor em História Social
Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Unesp de Franca
Grupo Letras e Sons – em defesa da Música Popular Brasileira