Chiquinha Gonzaga foi obrigada, pelo pai, a se casar aos 16 anos. Quando ela se separou do marido, cinco anos depois, foi expulsa da família paterna e perdeu todos os direitos sobre seus três filhos; inclusive o de visitá-los. Mais tarde, já famosa, a sociedade e a imprensa bisbilhotaram – incansavelmente – sua vida pessoal.
Carmem Miranda foi martirizada pelos críticos brasileiros, que a consideravam um instrumento medíocre e torpe, utilizado pelo imperialismo ianque. Acabou se afundando em barbitúricos e morrendo de parada cardíaca, ainda jovem.
O mesmo destino teve Dolores Duran, discriminada pela sociedade por ser mulata e cantora. O álcool e os barbitúricos levaram-na à morte, aos 29 anos.
Dalva de Oliveira teve uma vida emocional martirizante, virando tema de minissérie, algum tempo após sua morte. Maysa Monjardim divorciou-se de um ricaço – da família Matarazzo – porque ninguém do clã admitia que ela pudesse ser artista; teve alguns relacionamentos cáusticos e acabou morrendo quando seu carro se chocou – sem motivo aparente – contra as defensas da ponte Rio-Niterói.
Elis Regina foi sugada pela máquina fonográfica e publicitária: induzida a produzir sempre mais, independentemente de suas condições psicológicas, acabou morrendo de overdose de heroína, aos 36 anos.
Aracy de Almeida, a grande sambista e intérprete de Noel Rosa, ao falecer recebeu obituários onde apenas se lembrava que ela foi jurada do programa Sílvio Santos…
Clara Nunes, obrigada a manter a imagem de beleza, sujeitou-se a uma operação de varizes. Sobreveio um choque anafilático e ela morreu após quase um mês de martírio, aos 40 anos de idade.
Ana Cristina César era poetisa, tradutora, professora universitária. Suicidou-se aos 31 anos.
Igualmente poetisa, Hilda Hilst foi tão maltratada pela sociedade de sua cidade natal, que resolveu radicar-se em Campinas. Patrícia Galvão, a Pagu, foi outra poetisa crucificada em vida; só encontrou sossego, quando se mudou para Santos.
Há quem queira tirar o brilho de Rita Lee, ou de Vera Fischer, com o argumento de que elas se drogavam.
É assim que tratamos nossas estrelas: chamando-as de prostitutas; zombando delas, quando envelhecem; recusando-lhe a grandeza que possuem. Esmiuçamos suas intimidades, para jogá-las no opróbio. Após nos embevecermos com suas atuações magistrais, sobrevêm os comentários marotos: “mas ela é sapatão”; “casou-se cinco vezes”; “fez aborto”; “que roupa apelativa”.
Não as reconhecemos divas; não reverenciamos o preparo, o estudo, a inspiração, a lapidação dos dotes naturais que as fizeram brilhar. Elas trabalharam milhares de horas, e o vulgo diz que elas são mulheres de “vida fácil”.
É impressionante a escuridão da noite em que muitos de nós nos encontramos. E essa escuridão não é mais aterradora porque nossas estrelas, apesar de tudo, decidiram-se por brilhar para todos. Mesmo para aqueles que não merecem luz.
NEY VILELA
Doutor em História e mestre em Comunicação Social. Homem de teatro e de livros. Sobretudo, professor.