Em consonância com a Reforma Psiquiátrica e focada em oferecer um atendimento mais humanizado a pessoas com transtornos mentais, a Fundação Espírita Allan Kardec oferece desde 2018 as Oficinas Inspiração. Este é um projeto de Desenvolvimento Humano que tem como principal objetivo a inclusão social por meio do trabalho e geração de renda para os indivíduos em tratamento psiquiátrico em Franca e região.
O projeto prevê a implantação de dez tipos de oficinas – marcenaria, mosaico, cartonagem, culinária, entre outras. Três delas já funcionam e atendem 60 oficineiros, como são chamados os participantes. De segunda a sexta-feira, nos períodos da manhã e tarde, eles participam das oficinas de Reciclagem de Eletrônicos, Costura em Couro e Agrícola, que funcionam dentro do complexo da Fundação Allan Kardec, no bairro Cidade Nova.
É a partir da desmontagem de equipamentos eletrônicos e venda das peças; costura de retalhos de couro, dando vida a bolsas e carteiras; e do cultivo e comercialização de hortaliças e frutas orgânicas, que os oficineiros têm conquistado um novo sentido para o seu dia a dia, com mais dignidade, autonomia, descoberta de habilidades e maior autoestima.
“Só temos visto benefícios, tanto em relação a terem uma renda, como também à autoestima. Eles melhoram a socialização, conseguem contribuir com o sustento das famílias e acabam mais valorizados dentro de casa, diminuem o número de internações, muitos nem internaram mais após a participação nas oficinas. É um caminho para que eles tenham uma vida próxima do comum, com suas responsabilidades e consequências pelas decisões que tomam”, afirmou a terapeuta ocupacional Renata Reis Vieitez, coordenadora do Desenvolvimento Humano do Allan Kardec.
O Desenvolvimento Humano no Allan Kardec trabalha com quatro eixos principais: as oficinas; cursos profissionalizantes; terceirização solidária e inserção dos oficineiros no mercado formal de trabalho. Desde 2018, o projeto formou duas turmas no curso de costura manual de calçados e acessórios, a partir de uma parceria com o Senai.
Na parte de terceirização solidária, a Fundação mantém hoje parceria com uma empresa de calçados e os participantes do Inspiração fazem a costura manual dos sapatos e recebem por unidade.
Recentemente um oficineiro foi contratado por uma empresa do segmento de tintas. “As pessoas em tratamento psiquiátrico têm muita dificuldade de conseguir trabalho, pelas limitações e necessidades que têm. Trabalhamos com elas para tentar inseri-las no mercado”, disse Renata.
‘Cooperativas’
Um dos pontos trabalhados no Desenvolvimento Humano é a geração de renda. Cada oficina trabalha com caixa próprio e tudo que é comprado e vendido tem a participação dos oficineiros.
Na oficina Agrícola, as hortaliças são vendidas para a comunidade diariamente ao lado da recepção do Hospital Allan Kardec.
Os aparelhos eletrônicos, como celulares, computadores e eletrodomésticos, são vendidos quando ainda funcionam ou desmontados para revenda das peças. Uma das compradoras é uma multinacional japonesa especializada na remanufatura desses produtos e também depósitos de sucatas.
Já os produtos artesanais feitos com retalhos de couro que a Fundação ganha são comercializados em um bazar na própria instituição ou levados a alguns pontos da cidade, como salões de beleza, na “estante itinerante” – essa modalidade está suspensa momentaneamente por conta da pandemia do coronavírus.
Todo final de mês, os oficineiros e a coordenadora do programa se reúnem para uma avaliação pessoal de desempenho e, a partir da análise da carga horária cumprida, é definido o valor que cada um receberá.
“Sempre ouvimos relatos dos oficineiros que compraram pizza para a família ou algo que estavam com vontade de comer ou então pagaram alguma conta com a renda que tiveram no projeto Inspiração”, disse Renata.
Diagnosticado com esquizofrenia e transtorno de ansiedade, o jovem Gabriel Vieira de Oliveira, de 23 anos, é um dos participantes da oficina Agrícola. Ele era atendido no Hospital Dia da Fundação Allan Kardec, quando conheceu o projeto e se interessou.
Ele iniciou as atividades com a Reciclagem de Eletrônicos e agora ajuda a produzir mais de 20 tipos de verduras, legumes e frutas no Allan Kardec. “Está dando muito certo, eu gosto desse contato com as plantas e é bom para movimentar, não gosto de ficar parado.”
Com o dinheiro que recebe, costuma ajudar nas compras de comida para a família – ele mora com a mãe, a irmã e a tia – e já conseguiu presentear a irmã. “Comprei um perfume e um computador também para ela.”
Expansão
Atualmente, o Inspiração atende 60 pessoas, entre homens e mulheres, mas apenas 25 estão autorizados a frequentar as oficinas. A redução se fez necessária por conta da pandemia de covid-19.
Para participar, é necessário estar em acompanhamento psiquiátrico na rede de assistência pública ou particular e ter encaminhamento médico para a oficina. Por enquanto, não há vagas abertas, em razão da pandemia que limita o número de participantes para evitar a contaminação pelo coronavírus, mas a Fundação Allan Kardec tem expectativa de retomar os atendimentos assim que a situação normalizar e também de expandir o programa de Desenvolvimento Humano, com abertura de novas oficinas e proposta de atender 300 pessoas.
“A partir de 2017, em parceria com a Prefeitura de Franca, temos atuado fortemente no sentido de auxiliar na construção e manutenção da RAPS, a Rede de Atenção Psicossocial, em nossa cidade, com uma abordagem moderna, que traz como prioridade o Desenvolvimento Humano e a Saúde Integral. Surge, assim, uma rede forte de atenção que apresenta resultados importantes que já podem ser mensurados”, afirma Mario Arias Martinez, presidente da Fundação Allan Kardec.
Mais informações podem ser obtidas pelo WhatsApp (16) 99969-0648.
Nelise Luques/ Tá On Comunicação