Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 77 anos, foi eleito presidente do Brasil. O líder sindical recebeu 50,84% dos votos válidos (excluídos votos brancos e nulos) e venceu o pleito no segundo turno. Jair Bolsonaro, que concorreu à reeleição, recebeu 49,16% dos votos. A diferença, de menos de 2 milhões de votos, é a menor desde a redemocratização do país, em 1989.
Será a terceira vez que Lula assumirá a presidência da República, com posse marcada para 1º de janeiro. Antes, ele comandou o país por duas vezes: de 2003 a 2006 e, após reeleição, de 2007 a 2010.
Jair Bolsonaro, por sua vez, se torna o primeiro presidente desde a redemocratização a não conseguir a reeleição. Além de Lula, Dilma Rousseff (em 2014) e Fernando Henrique Cardoso (em 1998) conseguiram o segundo mandato, após agradar o eleitorado nos primeiros quatro anos.
Para ser eleito presidente do Brasil, Lula precisou superar a onda antipetista que varreu o país a partir de 2013 e, apesar da reeleição de Dilma Rousseff em 2014, catalisou a ascensão da extrema direita e do próprio bolsonarismo.
E o fez pela construção de uma chamada “frente ampla” na Coligação Brasil da Esperança, formada por PT, PSOL, PSB, Rede, PCdoB, PV, Solidariedade, Agir, PROS e Avante.
Essa concertação foi representada pela escolha de Geraldo Alckmin (PSB) como seu vice-presidente. Alckmin foi opositor de Lula nas eleições de 2006, quando foi derrotado no segundo turno. Desde então, foi ferrenho crítico até 2021, quando se desfiliou do PSDB. Em março 2022, entrou para o PSB.
Da prisão ao Planalto
A crise política iniciada pelas jornadas de 2013 e a ascensão da “lava jato” no Paraná a partir de 2014 criaram no país um cenário direcionado a ampliar o sentimento antipetista, especialmente voltado à figura de seu líder máximo.
Lula foi alvo de lawfare: o emprego de manobras jurídicas e legais para perseguição de adversários políticos. Diversos foram os episódios relatados nesse sentido, potencializados ou confirmados por revelações de mensagens entre os integrantes do grupo de procuradores do MPF de Curitiba e o ex-juiz Sergio Moro.
Antes, a revista eletrônico Consultor Jurídico noticiou como após uma manobra dos procuradores da “lava jato”, o então juiz Sergio Moro quebrou o sigilo telefônico da sede do escritório de Roberto Teixeira, que representava o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O grampo durou 23 dias e interceptou 462 ligações, o que afetou 25 advogados e pelo menos 300 clientes.
O resultado é que Moro condenou Lula por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá (SP). Com a confirmação da sentença pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (PR, SC e RS), o petista foi preso e impedido de participar das eleições de 2018.
Depois, Lula ainda foi condenado pelos mesmos delitos no processo do sítio de Atibaia (SP), pela juíza Gabriela Hardt, substituta de Moro na 13ª Vara Federal de Curitiba. Ao todo, o petista foi alvo no Judiciário em 15 oportunidades. Nenhuma dessas ações restou em condenação definitiva.
No ano passado, quando o Supremo declarou a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba e a suspeição de Moro, as condenações de Lula foram anuladas. O petista, então, recuperou todos os seus direitos políticos, tornando-se novamente elegível. Graças a isso, ele agora terá direito ao terceiro mandato.
A situação jurídica de Lula foi muito explorada por seus adversários na campanha eleitoral, o que motivou processo no Tribunal Superior Eleitoral e discussão nos mais diversos fóruns.
O petista deixou a carceragem da Polícia Federal em Curitiba em novembro de 2019, após 580 dias preso. Foi beneficiado pela decisão do STF que refutou a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. Ainda assim, seus parentes e aliados seguiram na mira dos procuradores lavajatistas.
Os planos de Lula
Em contraposição a Jair Bolsonaro, Lula fez sua campanha com a defesa, entre outros pontos de retomada das relações harmoniosas entre Executivo e Judiciário. À ConJur, apontou que a principal questão de seu governo “será retomar o respeito institucional e a harmonia entre os poderes, dever do chefe de governo que não tem sido observado pelo atual mandatário”.
Líder nas pesquisas desde a primeira hora, o petista manifestou a intenção de debater com integrantes do sistema de Justiça formas de reduzir a litigiosidade e ampliar a oferta de meios alternativos de resolução de conflitos, além de aperfeiçoar oferta de meios alternativos de resolução de conflitos.
Para Lula, a judicialização da política é a externalização de um conflito potencializado pela ausência de diálogo do Executivo com os demais poderes e com a sociedade civil. Para mudar esse cenário, anunciou a pretensão de viabilizar estratégias e espaços de retomada do diálogo e da escuta ativa com movimentos sociais, organizações da sociedade civil e representações populares.
Lula, que iniciou, em 2003, a prática de indicar para a Procuradoria-Geral da República o mais votado em eleição da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), apontou que deseja discutir cooperação com o Ministério Público que resgate a promoção de mecanismos voltados aos princípios e aos direitos inerentes ao Estado Democrático e Social de Direito.
Já a advocacia pública, de acordo com o petista, terá papel importante na reconstrução da rede de proteção social e da capacidade do Estado ser indutor do desenvolvimento sustentável e da redução das desigualdades
No campo da legislação penal, Lula defende uma nova política sobre drogas, focada na redução de riscos, na prevenção, tratamento e assistência ao usuário, e uma racionalização do encarceramento, diante da crise vivida pelo país há anos. E promete combater a política atual de genocídio e a perseguição à juventude negra.
Líder sindical
Lula nasceu em 27 de outubro de 1945, em Garanhuns (Pernambuco). Ainda criança, migrou para São Paulo com a família. Começou a trabalhar aos 12 anos e, após completar curso de tornearia mecânica no Senai, tornou-se operário. Foi nessa função que, em 1964, esmagou o dedo mindinho da mão esquerda.
Em 1968, filiou-se ao Sindicato de Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, onde ascendeu politicamente e passou a coordenar as greves do final da década de 1970 e o início da década de 1980. Em plena ditadura militar, chegou a ser preso e processado com base na Lei de Segurança Nacional.
Em 1980, participou da fundação do Partido dos Trabalhadores, do qual foi o primeiro presidente. Em 1982, concorreu ao governo de São Paulo e perdeu. Já em 1984, participou da campanhas Diretas Já. E em 1986 elegeu-se deputado federal por São Paulo.
A partir de 1989, Lula tornou-se o candidato do PT à presidência do Brasil. Naquele ano, perdeu o pleito para Fernando Collor (PRN). Em 1994 e 1998, viu Fernando Henrique Cardoso (PSDB) vencer no primeiro turno.
Foi apenas em 2002, a partir de um realinhamento político consignado na Carta ao Povo Brasileiro, na qual assumiu o compromisso de fazer reformas econômicas, sociais e políticas muito profundas, respeitando contratos e assegurando o equilíbrio econômico, que Lula finalmente foi eleito para o Planalto.
Fez um governo marcado por uma política econômica conservadora e pela ascensão social da população mais pobre, a partir de programas sociais, do aumento da renda e do inchaço da classe média. Passou por escândalos políticos graves como o caso do mensalão e dos cartões corporativos.
Foi reeleito em 2006, mesmo ano em que foi anunciada a descoberta do pré-sal, a enorme reserva de petróleo na costa brasileira. No segundo mandato, Lula enfrentou os efeitos da crise global de 2008 e o julgamento do caso do mensalão, pelo STF. Ainda assim, conseguiu eleger Dilma Rousseff como sua sucessora.