Vez ou outra registros emocionantes mostrando a interação entre crianças e animais viralizam nas redes. Mas você sabia que, além de fofa, essa amizade gera uma série de benefícios aos humanos? Diversos pesquisadores ao redor do globo procuraram entender quais são os prós dessa relação e perceberam efeitos na saúde mental, imunológica, física e no comportamento dos pequenos.
O desenvolvimento socioemocional é um dos principais pontos citados por especialistas. Um dos estudos elaborados pelo Telethon Kids Institute da Universidade da Austrália Ocidental, referência no campo da pediatraria, analisou 1.646 famílias para identificar os efeitos no comportamento infantil da presença de um cão no dia a dia.
A partir das respostas dos pais no Questionário de Capacidades e Dificuldades (SDQ, em inglês), comum neste tipo de avaliação, os pesquisadores identificaram menor probabilidade de problemas de conduta e discussões com colegas e maior chance de comportamento pró-social no grupo de crianças que conviviam com animais.
Como os animais afetam a saúde mental das crianças?
Outro levantamento, publicado na revista científica Plos One, da Public Library of Science, comprovou, a partir da análise da saliva de crianças, que o contato com os cães diminui significativamente os níveis de cortisol, popularmente conhecido como hormônio do estresse. Não à toa, diferentes espécies fazem parte de uma série de tratamentos de Intervenção Assistida.
“Do ponto de vista evolutivo, os humanos têm uma longa história compartilhada com os cães, originada de uma relação mutuamente benéfica em que os fornecemos comida, abrigo e segurança, enquanto o animal contribui para a saúde fisiológica e o bem-estar psicológico, fornece suporte socioemocional, segurança e também atua como facilitador social”, afirma Kerstin Meints, autora principal da pesquisa.
Além disso, os efeitos de relaxamento se estendem, inclusive, para a hora de dormir. Na Universidade de Québec, no Canadá, médicos monitoraram, ao longo de 15 dias, 188 crianças e adolescentes durante o sono com o auxílio de questionários, polissonografia domiciliar e actígrafos.
Ao final, compartilhar a cama com animais apresentou impactos positivos no sono infantil. Na visão dos especialistas, a companhia do peludo gera segurança, conforto e, possivelmente, diminui os medos e episódios de ansiedade noturna.
Pandemia
Durante a pandemia da Covid-19, não foi diferente. Com aulas e interações realizadas de maneira 100% online, a presença de cães e gatos em casa foi essencial para os alunos. Em 2021, um levantamento encomendado por uma empresa de cuidado animal, nos Estados Unidos, identificou como os animais foram capazes de diminuir o estresse causado pelo isolamento social nos mais novos.
Apesar do período ter sido marcado por incertezas e inseguranças, especialistas identificaram que os animais ajudaram no enfrentamento da solidão, na diminuição de estresse e contribuíram para fortalecer a memória e a atenção dos pequenos.
Um braço da pesquisa, realizado no Brasil, conversou com docentes de alunos entre 5 a 17 anos. 79% deles revelou perceber os efeitos da presença dos animais no desenvolvimento da classe. Segundo os professores, o envolvimento maior com as aulas e a concentração nos trabalhos escolares aumentavam quando os pequenos estavam na companhia dos animais.
Força imunológica
E não para por aí, viu? Além dos efeitos positivos na saúde mental, médicos também já comprovaram os benefícios para a imunidade infantil. Como, por exemplo, a análise feita pelo Instituto de Ciências Clínicas da Universidade de Gotemburgo, na Suécia. Na ocasião, os especialistas compararam 1.029 crianças entre 7 e 8 anos sem diagnóstico com um grupo de 249 com problemas respiratórios e alérgicos previamente identificados.
Os resultados, em ambos os grupos, demonstraram a relação entre as manifestações alérgicas, como asma, rinoconjuntivite alérgica ou eczema, e o contato com cães e gatos durante o primeiro ano de vida.
49% dos que não tinham relação com animais apresentavam problemas de saúde, contra zero entre os que tinham cinco ou mais animais. Observando quadros específicos de crises no ano interior da pesquisa, o primeiro cai para 32% e o segundo se mantém nulo.
Para os especialistas, a exposição aos pelos pode induzir tolerância clínica graças às grandes quantidades de alérgenos presentes no corpo de cães e gatos. Além disso, o estudo sugere que tal ambiente recria uma ‘mini-fazenda’, com “micróbios ou outros fatores imunorreguladores que proporcionam um amplo efeito modificador no desenvolvimento imunológico infantil, levando à tolerância não apenas ao próprio bicho, mas também aos alimentos e ao ar”.
Da mesma forma, a presença dos animais pode aliviar a dermatite atópica, doença comum entre os mais novos, que atinge entre 10% a 30% da população, de acordo com dados divulgados pela Sociedade Brasileira de Pediatria. Ao menos, esse foi o resultado apresentado pelos pesquisadores do Estudo de Asma na Infância de Copenhague, um dos mais importantes da Dinamarca, conhecido por acompanhar a evolução de humanos desde o seu nascimento até a idade adulta.
Tanto entre os nascidos nos anos 2000, quanto em 2010, o risco de dermatite atópica nos primeiros três anos de vida foi significativamente menor entre o grupo com exposição a cães. A porcentagem diminuiu proporcionalmente em relação ao número de cachorros na casa.
Para os médicos, os resultados enfatizam a importância do ambiente inicial da vida do ser humano para a evolução de determinadas doenças.
Brincadeiras viram exercício
Por fim, a saúde física tampouco fica de fora! Pesquisadores da Universidade St George’s, de Londres, analisaram 2.065 crianças de 9 a 10 anos e perceberam algo em comum entre as tutoras de cães: elas eram mais ativas. Os resultados apresentados demonstraram que os pequenos com famílias multiespécies apresentam níveis mais altos de atividade física.
Os resultados, encontrados a partir do uso de monitores de atividade para registrar os níveis de movimento diário durante uma semana, mostraram que quem tinha cão em casa passou, em média, 325 minutos fazendo atividade física por dia, 11 a mais do que outro grupo. Eles também apresentaram menor tendência a comportamentos sedentários e mais passos diários.
Em outra análise, o Centro de Construção do Ambiente, Saúde, Escola e Saúde da População, na Austrália, encontrou resultados semelhantes ao investigar 1.218 pessoas de 10 a 12 anos, ajudando a confirmar a teoria de que a interação com cães é um facilitador para aumentar a atividade física nos menores.
Em média, os pequenos que possuem cães em casa realizaram 29 minutos a mais de caminhada e 142 minutos a mais de atividade física por semana, em comparação com os filhos de famílias sem pets. Eles também apresentaram maior chance de atingir o nível recomendado de atividade física semanal (49%) e realizar caminhadas curtas na vizinhança (32%).
O que dizem os especialistas?
Para André Manso, médico especialista em alergia e imunologia pediátrica pela FMUSP, o convívio precoce com cães contribui, sim, para o desenvolvimento do sistema imune e sua tolerância a bactérias e outros possíveis alérgenos, por isso, diminui de maneira intensa o risco do desenvolvimento de alergias nos anos futuros.
“Desde que prestemos atenção à saúde do animal, mantendo a vacinação em dia, higienização, vermifugação, tratando eventuais doenças e considerando as peculiaridades comportamentais dos animais, não há risco. O segredo é respeitar o crescimento do bebê, o tempo do animal e cuidar bem do animal”, garante o médico.
Segundo Danielle Admoni, psiquiatra geral, da Infância e Adolescência, preceptora na residência da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP/EPM), 70% do desenvolvimento infantil depende de estímulos externos. Até os 3 anos, brincadeiras, atividades e exercícios são essenciais.
“Quanto mais estímulos ao cérebro, mais conexões neurológicas se formam, e a espontaneidade na relação da criança com os animais favorece essa evolução em diversas esferas.”
Nos primeiros meses de vida, vale um cuidado redobrado após o passeio do cão ou do gato. A indicação é manter as patas higienizadas e evitar deixar os animais em locais onde o bebê costuma comer ou dormir.
“Passada as primeiras vacinas do filho, a criança apresentará melhor resposta imune. Ou seja, o contato é liberado, desde com supervisão. A interação é super gostosa, além de ser ótima para o desenvolvimento emocional também”, adiciona André.
Neste sentido, Danielle também recomenda que a interação aconteça sempre com supervisão. “Haverá situações em que a criança poderá sentir raiva ou frustração, caso o animal não a obedeça. Provavelmente, a primeira reação dela será de querer bater ou gritar. É aí que os adultos devem interceder e explicar que o animal não sabe o que está fazendo.”
Martina Cattaccini, médica especializada em pediatria pelo Instituto da Criança da Faculdade de Medicina da USP, também acrescenta que esta amizade pode desenvolver o físico, comportamental e emocional, além de atuar na prevenção de doenças. Segundo a especialista, há bons resultados na memória, no aprendizado e no sono.
“Além de ensinar sobre responsabilidade, os benefícios incluem: aprendizados sobre empatia, respeito, cuidado e amor ao próximo; melhora do autocuidado e percepção corporal individual; melhora de sintomas de ansiedade; redução de hormônios relacionados ao estresse; estímulo a atividade física; treino de habilidade motora e melhora da composição corporal”, elenca.
Por fim, a médica finaliza alertando que, mesmo em casos de alergias, o contato entre animais e crianças, sim, é viável. “Caso haja o diagnóstico de alguma doença relacionada ao animal, é possível realizar um tratamento de imunoterapia para que este convívio seja possível sem desenvolver sintomas.”
Atenção!
Todos esses motivos não são o suficiente para decidir adotar um animal – seja um cão ou qualquer outro animal. Antes de bater o martelo na decisão, é importante que os adultos planejem a chegada do animal em casa ponderando as questões financeiras, espaço disponível, tempo para cuidados, entre outros temas.
Fonte: Revista Casa e Jardim; ANDA – Agência de Notícias de Direitos Animais